Nossa homenagem: Segismundo Bruno, presente!
Morre Segismundo Bruno, dono do Sabelucha, refúgio dos progressistas no Bixiga, em São Paulo, um grande militante Lula Livre
Morreu nesta quarta-feira, 19 de novembro de 2020, Segismundo Bruno, dono do Sabelucha, reduto tradicional de progressistas no Bixiga.
O cientista político Daniel Cara era um dos frequentadores.
“Recebi uma triste notícia: perdemos Segismundo Bruno. No sábado (14/11), após a carreata de Boulos e Erundina que tomou a avenida Paulista, fui tomar um café no Sabelucha (Bixiga). Conversei com Bruno. Ele estava esperançoso. Disse que iríamos vencer em SP. Lutaremos por ele”, disse Cara.
Em fevereiro de 2019, a repórter Larissa Bernardes entrevistou Segismundo Bruno para o DCM. Segue o texto e o vídeo que ela produziu:
O café Sabelucha, localizado no Bixiga, bairro tradicional de São Paulo, é um reduto da esquerda na cidade. Inaugurado há 26 anos, o estabelecimento exibe bandeiras, quadros e bonecos ligados ao campo progressista.
Em 2018, o local ganhou destaque na mídia após a divulgação da informação de que haveria uma campanha de boicote ao café nas redes sociais.
O DCM conversou com Segismundo Bruno, proprietário do Sabelucha, que falou sobre as dificuldades – e satisfações – de se posicionar à esquerda publicamente em tempos de intolerância política.
Leia a entrevista na íntegra:
DCM – Conte um pouco de sua trajetória. Sempre foi ligado à política?
Bruno – Eu comecei a participar [da política] através das comunidades de base na zona leste. Aqui no Bixiga, não havia uma integração política muito grande. Eu era sensível a coisas que enxergava, mas não tinha uma participação aqui no bairro.
Então, fui morar na zona leste em 1980 e lá comecei a participar das comunidades de base em São Miguel Paulista, dos movimentos de moradia, grupos ligados à questão da cidadania, dos direitos humanos…
Através disso, comecei a me integrar ao Partido dos Trabalhadores, que tinha exatamente esse princípio de participar das lutas sociais. Foi aí que comecei a participar e aprender mais sobre a política.
Nunca mais perdi isto, porque quando você incorpora um princípio, não tem por que desanimar.
DCM – Quando o café foi criado? Qual a origem do nome?
B – O café foi assim, eu participei da administração da Luiza Erundina, mas depois de lá a gente saiu e ficamos meio que sem saber o que fazer. A gente tinha o espaço aqui, da família. Minha irmã deu a ideia e então fizemos o café.
O nome veio da minha avó, que era ligada à questão culinária. Ela era da região do sul da Itália e cozinhava coisas daquela região lá no Brás, onde ela morava.
“Sabelucha” vem de Isabela. Ela era chamada de “Isabelucha” ou “dona Sabelucha”. Aí a gente pegou o nome, sem muita preocupação com grafia.
Então fizemos o café, a gente já tinha a ideia de vender doce, salgado, sorvete… No princípio, a ideia, que não mudou, era ter um espaço onde as pessoas pudessem vir e discutir, mas nunca agredir.
Naquela época, as pessoas já passavam aqui com ideias erradas, falando mal dos governos de esquerda. Hoje não mudou, está até pior… Então, foi assim que a gente se posicionou dentro do café e hoje temos uma visão muito clara do que somos. Não abro mão disso de forma alguma.
DCM – Seu posicionamento político influencia negativamente os negócios?
B – Olha, se [o café] perdeu público? Pode ter perdido. Mas vem outras pessoas, quem quer entrar e ver os símbolos, entra. Quem não quiser, não entra. Não vou ficar querendo fazer média com ninguém.
Aqui nunca teve a ideia de ser um lugar para ganharmos muito dinheiro, sabe? A gente mantém nossa vida com certo equilíbrio, sem ficar acumulando coisas. Então, para mim, não afeta.
Se diminuiu o movimento, diminuiu 10, 15%. Mas uma hora aumenta um pouco, outra hora diminui e assim a gente vai levando. Agora, se a pessoa tem como objetivo ganhar dinheiro, aí já fica complicado.
DCM – Você e o estabelecimento costumam ser hostilizados?
B – Agressões verbais, sim, mas agressões físicas não. Depredarem, atirarem pedra, quebrarem vidro, isso não. Mas eu tenho uma posição muito clara, pode passar alguém chamando de “ladrão” e tal, se eu ouço, eu respondo.
Se entram para questionar, aí eu falo “pera aí, você sabe do que está falando?”, “com base em que faz esta afirmação?”. Eu até gosto quando a pessoa interpela, mas a maioria passa de carro gritando “Bolsonaro!” e coisas do tipo.
Agressões eu tive com o dono de um restaurante aqui da região, uma pessoa muito ignorante politicamente. Então, toda vez que eu passava lá, ele falava um monte. Um dia, eu estava passando em frente ao restaurante, e falei “o Brasil está bom, né?”, aí ele começou a me xingar e me deu um chute. Me empurrou e me deu um chute. O Jessé Souza fala do protofascista, que, quando não tem argumento, ele agride.
No bairro, a única agressão mais séria foi esta.
DCM – Esses episódios pioraram depois da eleição de Bolsonaro?
B – Assim, está muito estranho. Não dá para saber direito o que as pessoas estão pensando, porque quem o apoia, agora está quieto. Quem votou por manipulação, hoje também fica quieto. Então, você não tem muito claro o que está acontecendo. As pessoas não têm coragem de dizer “poxa, nós fizemos uma burrada”.
Eu acho que a gente tem que sacudir um pouco a cabeça das pessoas. Não é provocação gratuita, mas é dizer “vocês votaram no Collor e se arrependeram, votaram no FHC e teve gente que se arrependeu. O Serra está lá escondido e vocês o elegeram como governador…”. Ninguém fala mais nada dessa gente, então você tem que cutucar. A gente tem que reavivar essa memória, não dá para ficar quieto.
Aqui [no café] eu tenho essa condição de conversar com as pessoas. Antes, quando eu ia para a rua fazer panfletagem, os “caras” não queriam nem saber, não dava para passar uma mensagem forte. Aqui, pelo menos, quem quer ouvir, ouve.
DCM – O público que vem ao café é exclusivamente progressista ou também existem frequentadores de direita?
B – Eu sempre tive mais imagens dentro, fora nunca coloquei. Então, quem entrava, até podia não gostar. Agora, depois que eu comecei a colocar mais símbolos lá fora, comecei a perceber que muita gente não entra. É esse pessoal mais de direita mesmo.
Por outro lado, tem muita gente que entra justamente por causa desses adornos políticos. Tem muita gente do nordeste, gente que está passeando, e acha bacana, tira foto…
Mas tem gente que realmente não entra, acha que vai se contaminar com o comunismo [risos].
DCM – No ano passado, o café foi alvo de boicote na internet. Como foi isso para vocês?
B – Não foi bem um boicote, porque, quem iria boicotar? As pessoas não entravam porque não queria entrar, mas não houve uma articulação de grupos para dizer “olha, não vamos lá”. Eu não tive esse tipo de problema. O pessoal entendia que fosse assim, mas expliquei que não foi isso que aconteceu.
Tem gente aqui no bairro que deixou de vir mesmo. O dono da faculdade que tem por aqui, antes vinha aqui com a mulher, hoje mal me cumprimenta na rua. Uns advogados que frequentavam, hoje mal olham na cara.
Eu também não vou ficar implorando para virem aqui. Não quer, não entra. Se vier, será bem atendido.
DCM – Mesmo com essas situações, parece que o café tem uma rede de apoio muito grande também…
B – Isso tem sim. Tem gente que vem de fora, de lugares como Pará, Rio Grande do Sul… vários lugares que o pessoal ficou sabendo da existência do café e veio visitar.
DCM – Vocês já receberam a visita de algum político?
B – Vários. Por exemplo, o Paulo Teixeira é muito amigo meu, o próprio Haddad veio no começo [do mandato].
DCM – Você enxerga o café como um reduto da esquerda em São Paulo?
B – Com certeza. O que eu percebo é que as pessoas querem ter um lugar onde elas possam conversar sem serem agredidas. Aqui é muito difícil alguém sentar do lado e falar abobrinha, mas, por exemplo, você vai em um restaurante, está comendo e começam aquelas agressões ou aqueles comentários que te irritam. Aqui não tem esse problema, eventualmente pode vir alguém que fale bobagem, mas nunca permito que agridam meus clientes.
Publicado originalmente no Diário do Centro do Mundo.