“A Lava Jato não teria ocorrido sem os EUA”, diz especialista em relações internacionais
Vários são os indícios de que a Lava Jato serviu menos para o combate à corrupção e, em seu nome, dilapidou a indústria nacional, tolheu o caminho de multilateralismo empreendido pelo Brasil no hemisfério e serviu ao interesse geopolítico dos Estados Unidos. Em se falando da competitividade da indústria de construção civil, por exemplo, há um mercado muito afluente, “disputado a tapa” que “dificilmente será recuperado após a perda de musculatura das empresas em função da Lava Jato”.
Os comentários são do especialista em relações internacionais, o sociólogo Marcelo Zero. Para ele, a Lava Jato foi de fato inspirada pelos EUA, tem hegemonia técnica e política do Departamento de Justiça de lá e, por meio desta subserviência foi responsável para que a Petrobras pagasse em 2018 US$ 1,78 bilhões ao Tesouro norte-americano. “Só o fato de permitirem que a Petrobras pagasse multas milionárias mostra que havia uma influência excessiva do governo e interesse norte-americanos nessa operação”, indica Zero.
Entretanto, a posição de subserviência só chegou a este nível porque foi alicerçada por processos de acordos entre os dois países que chamavam atenção pela diferença comparados a acordos semelhantes firmados com outras nações. Tomemos para análise os acordos de assistência judiciária em matéria penal que vinham sendo discutido com a França e os EUA em 1997, com Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na Presidência.
“O primeiro trazia garantias à soberania brasileira e aos direitos humanos dos investigados que o acordo com os EUA não trazia, como somente permitir investigação de crimes previstos nas legislações de ambos os países, proteção à testemunha, proibição de investigações que sejam fruto de perseguição política, racial ou por nacionalidade”, explica Marcelo Zero. Ao mesmo tempo, o acordo análogo com os EUA omite todos estes itens, o que configura a raiz da ingerência legalizada dos EUA no Brasil.
Este elemento é um alicerce que se soma à mudança na rota da doutrina de segurança nacional dos EUA em 2010 para explicar o surgimento da Lava Jato no Brasil.
Desde 2010, preocupados com a ampliação da influência chinesa, o poderio militar russo e um emergente multilateralismo, os EUA voltam seus olhos para a América Latina, numa restauração conservadora que impulsiona golpes e vitórias eleitorais de direita por todo continente, muitas vezes com uso das próprias instituições jurídicas destes países, como o caso do golpe no Paraguai.
Revelações da imprensa e depoimentos de procuradores norte-americanos levam ao entendimento de que, no Brasil, o caminho seguiu sendo o mesmo, de ingerência e subserviência. O já denunciado Projeto Pontes escancara os métodos promovidos pelo Departamento de Justiça dos EUA: um programa que recebeu em 2009 ninguém menos que Sergio Moro para ser treinado em temas como coleta de evidências, entrevistas e interrogatório e habilidades usadas nos tribunais, segundo o Wikileaks.
Zero destaca, ainda, a importância do elemento interno para o sucesso desta ingerência. “A Lava Jato não teria ocorrido sem os EUA, foi de fato inspirada pelos EUA, mas sem esses atores internos, que se dispuseram a trabalhar para eles dessa forma, jamais teriam alcançado êxito”, define.