por Leonardo Sakamoto, do UOL

A ex-presidenta afirmou em entrevista ao jornalista Leonardo Sakamoto que centrão e direita quiseram tutelar presidente, mas são constrangidos por posturas não civilizadas

“Este é um governo neoliberal e neofascista. Essa visão incomoda o centrão, a direita mais civilizada, a centro-direita. Eles achavam que iriam tutelar o Bolsonaro, que iriam conseguir fazer com que se civilizasse um pouco. E não os constrangesse com as manifestações toscas, não civilizadas, grosseiras que ele faz sistematicamente.”

A avaliação é da ex-presidente Dilma Rousseff, na entrevista que concedeu à equipe do UOL, em sua residência, na capital gaúcha. Para ela, como Bolsonaro é útil para a realização de “reformas neoliberais” nos próximos anos, conseguirá –em troca– manter “uma política de desprezo por direitos sociais, humanos e trabalhistas e pelo meio ambiente no país”.

Presidente da República entre 2011 e 2016, Dilma Rousseff teve seu mandato cassado pelo Congresso Nacional. Nascida em 1947, em Belo Horizonte, participou de organizações de resistência contra a ditadura militar, tendo sido torturada e presa. Foi secretária de finanças de Porto Alegre, secretária de Minas, Energia e Comunicações do Rio Grande do Sul, ministra das Minas e Energia e ministra-chefe da Casa Civil. Candidatou-se ao Senado Federal por Minas Gerais no ano passado, mas perdeu a eleição em meio à onda conservadora e antipetista.

Na entrevista, diz que, se tivesse continuado no poder, teria feito uma Reforma da Previdência –mas diferente daquela proposta por Jair Bolsonaro. Explica que não pretende se candidatar em 2020 ou 2022 e que tanto ela quanto Lula estão no processo de “passar o bastão”, evitando citar nomes de novas lideranças do PT que devem sucedê-lo. Afirma que o governo vai tentar “privatizar as universidades federais no Brasil” e que a Educação se tornou a pauta unificadora da ala progressista da sociedade, mais do que as aposentadorias e o mercado de trabalho. E avalia que um novo projeto de esquerda para enfrentar a extrema direita ainda está em construção

O Brasil presenciou manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas a favor e contra o governo Bolsonaro. Como a sra. encara isso quatro anos depois das manifestações que antecederam o seu impeachment?

Naquele momento, houve uma grande interferência e manipulação principalmente da mídia tradicional, que praticamente convocava as manifestações. E houve uma clara cisão entre um lado e outro.

Neste momento, as manifestações tanto de apoio quanto às contrárias ao governo Bolsonaro refletem uma realidade de radicalização crescente no Brasil, pois, nesse período todo, foi incentivado o ódio, a intolerância, o processo discriminatório contra movimentos sociais, como negros, LGBTI, mulheres, ambientalistas etc. Foi incentivada a cultura da violência através da valorização imensa do porte de armas.

Do outro lado, a mobilização dos estudantes, professores, alunos do curso secundário. Quando houve aquele que foi um dos aspectos toscos e grosseiros do governo Bolsonaro, dizer que aqueles que faziam “balbúrdia” iam ter um corte de 30% das universidades federais.

Como se corte no Orçamento da União pudesse ser feito baseado em critérios quase que de vingança sobre seguimentos sociais. Isso não é admissível em um país democrático –o que o Brasil está deixando de ser.

No caso das manifestações da educação, elas não são produto de um conflito de ódio. É produto de uma sensação profunda, estratégica, de perda para o seu próprio país, para sua comunidade e para cada um individualmente.

Lucas Lima/UOL
Lucas Lima/UOL

Você acompanhou uma insurreição do Congresso contra seu mandato. Vê paralelos com o processo de desgaste do governo Bolsonaro junto ao parlamento, acha possível ele sofrer a mesma coisa no futuro?

Eu não acho que tenha qualquer similaridade. Os dois processos fazem parte de momentos distintos e com lógicas diferentes. No caso do impeachment, o Congresso Nacional teve um grande parteiro, que foi o senhor Eduardo Cunha – inequivocamente a mente que estava por traz do impeachment e do próprio governo Temer.

O centro, a centro-direita e a direita renunciaram à sua condição democrática. E ao perceberem que nós tínhamos ganho quatro eleições presidenciais consecutivas, viram no processo de impeachment e no golpe de Estado parlamentar [maneira como a ex-presidente se refere ao processo de impeachment] uma possibilidade de mudarem a agenda. O que vinha sendo derrotado nas eleições? Obviamente não era a ideologia do MDB, porque ele não tem ideologia. A ideologia que o MDB tinha foi emprestada do mercado, que era reenquadrar o Brasil no neoliberalismo.

Foi gestado um golpe de Estado, com a adesão do PSDB e do MDB. Eles abriram a caixa de Pandora. E os monstros que de lá saíram, para poderem viver, os engoliram. Todo o processo de extrema-direita.

Este governo está baseado em uma dupla questão:

É um governo neoliberal e um governo neofascista. Essa visão incomoda o centrão, a direita mais civilizada, a centro-direita. Eles achavam que iriam tutelar o Bolsonaro, que iriam conseguir fazer com que Bolsonaro se civilizasse um pouco. E não os constrangesse com as manifestações toscas, não civilizadas, grosseiras que ele faz sistematicamente.

Esta última ele fez sobre os nordestinos é um absurdo [no áudio de uma conversa vazada, no dia 19, o presidente disse “governadores de paraíba”].

O governo Bolsonaro pode, de fato, implantar as reformas neoliberais, privatizar as estatais, diminuir até zerar o controle e a regulação do meio ambiente, aumentando não só o desmatamento, como aumentou, agora, em junho, e liberando os agrotóxicos, desregulamentando o mercado de trabalho, entregando a Reforma da Previdência. Não é que enquanto o governo for útil ele continua, ele é útil porque esse “enquanto” leva quatro anos.

Está na pauta a mais violenta privatização do país. E não só a Petrobras que eles estão entregando, eles querem privatizar as universidades federais. Eles vão vender. Vão tentar passar para OS [Organização Social] e depois de passar, vão tentar privatizar.

O que eles [centro, centro-direita, direita] pensaram? Que era fácil, que seria tranquilo conter o governo Bolsonaro, mitigar o governo Bolsonaro. Mas ele tem um componente neofascista que não é mitigável, que não é passível de ser contido. Foge dos controles. Esta contradição que a direita e a centro-direita terão que conviver ao longo desse processo daqui para frente. Eles precisaram de um impeachment, prender, condenar e impedir que concorresse à eleição o presidente Lula, um inocente –hoje claramente provado pela “Vaza Jato” [a divulgação de conversas entre membros da força-tarefa da Lava Jato e o juiz Sergio Moro pelo site The Intercept Brasil].

Isso é condição essencial para entender estes conflitos entre a Câmara, o Senado e o governo Bolsonaro. Esses conflitos não são relevantes diante da lógica que conduz o processo, que é uma lógica que implica em impor reformas neoliberais e, ao mesmo tempo, ceder ao impulso bolsonarista de fazer uma política não civilizada, de desprezo por direitos sociais, direitos humanos, direitos trabalhistas e pelo meio ambiente no país.

Há relação entre o estabelecimento da Comissão da Verdade, para que fossem esclarecidas mortes e desaparecimentos durante a ditadura, com a postura do Exército com relação ao governo Temer, à prisão do Lula e a eleição de Bolsonaro?

Atribuir à Comissão da Verdade o fato de que alguns militares tenham ido para o governo Temer e para governo Bolsonaro é absolutamente equivocado, frágil, inconsistente. Até porque foi no governo do Lula e no meu que várias questões centrais em relação às Forças Armadas foram tratadas e com muito respeito e visão estratégica de país e de soberania nacional.

Os submarinos nuclear e tradicional. O KC-390, um avião estratégico. O caça Gripen. Nunca ninguém investiu tanto. No caso do Exército, tivemos todo o investimento na área de segurança cibernética, de armamentos leves, fomos capazes de construir tanques médios e vendê-los pelo mundo inteiro, houve um desenvolvimento da indústria militar no Brasil que teve no Exército um ponto focal. Nós modernizamos inteiramente a engenharia do Exército Brasileiro porque muitas vezes eles nos ajudaram a fazer estradas, a fazer a interligação da bacia do São Francisco.

Não acho que, no momento do golpe parlamentar, o Exército tenha tido uma ação pró-golpe. No máximo foi uma omissão, mas a omissão do Exército é melhor do que a ação.

O que justifica o comportamento de membros da ativa e da reserva com relação ao seu governo e ao PT?

Posso dar um conselho? Pergunte para eles. E mais: pergunte como aceitaram entregar a base de Alcântara [Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão] sem contrapartida nenhuma. Por que entregar uma Embraer para sua maior concorrente, que é a Boeing, que está com um problema seríssimo por causa daquele último avião que andou caindo por claras falhas de gestão [Dilma se refere ao Boeing 737 Max, com operações suspensas após dois acidentes fatais entre 2018 e 2019].

A Comissão de Anistia adiou a análise de seu pedido de indenização por ter sido presa e torturada pela ditadura militar. A palavra final será da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Qual sua expectativa?

Olha, eu acho estarrecedor que a palavra final seja de alguém e não da Comissão.

Só acho muito estranho eles negarem que eu tenha sido torturada como fizeram com a jornalista Miriam Leitão porque o próprio presidente da República, como deputado federal, foi quem disse que o coronel Carlos Brilhante Ustra [ex-chefe do DOI-Codi, acusado de tortura] foi o meu “terror”. Suponho que foi o meu “terror” porque me torturou.

LEIA A REPORTAGEM COMPLETA: https://noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/entrevista-dilma-rousseff/index.htm#tematico-1

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