“Bolsonaro não faz nada. Ele só destrói”, diz Lula ao Le Monde; Leia a entrevista completa
“O presidente Jair Bolsonaro não faz nada. Ele destrói”, afirma o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril de 2018, em uma entrevista publicada na quinta-feira, 12, no jornal francês “Le Monde”.
“É um governo de destruição, sem nenhuma visão de futuro, sem programa, que não é qualificado para o poder”, denuncia Lula, condenado a oito anos e dez meses de prisão por corrupção.
Em relação à Amazônia, devastada pela violência dos incêndios e pelo avanço do desmatamento, o petista afirma que “o povo deve reagir”.
“É preciso que os brasileiros se mobilizem”, insiste.
Em relação a seu próprio destino, Lula, que foi entrevistado na sede da Polícia Federal em Curitiba, diz que “não pede nenhum favor, nenhuma redução de pena”. “Apenas justiça! Minha casa não é uma prisão. E as tornozeleiras eletrônicas são boas para os pombos-correio”, brinca.
“Tudo que eu quero é que reconheçam minha inocência”, completou o ex-presidente.
CONFIRA:
O vigoroso Luiz Inácio Lula da Silva surgiu em uma sala anônima da sede da Polícia Federal em Curitiba (Paraná), remodelada como sala de imprensa. É aqui, nesse prédio sem alma, que o ex-Chefe de Estado, condenado por corrupção, cumpre, desde abril de 2018, sua pena de oito anos e dez meses de prisão. Aos 73 anos, o líder da esquerda brasileira não perdeu a vivacidade. Ele se apresenta, sua barba finamente feita, terno escuro e gravata roxa. O estilo é presidencial e o símbolo é claro: Lula está sempre trabalhando, ainda em ação. Ele concedeu ao Le Monde sua primeira entrevista à mídia francesa desde seu encarceramento.
– Após um ano e meio de prisão, você começa a se sentir desencorajado ou cansado?
– Não, eu me sinto bem, moral e fisicamente. Eu tenho paz de espírito porque sei porque estou aqui. Eu sei que sou inocente e que aqueles que me colocam na prisão são mentirosos. Eu sou otimista. Foi minha mãe quem me transmitiu isso. Então, sim, a prisão é um teste. Mas tenho muita energia, estou muito sereno. Tenho certeza que vou vencer.
– Como está organizado seu dia a dia?
– Eu assisto filmes, televisão, eu converso com meus advogados. Eu ando, 9 quilômetros por dia! Espero que o tempo passe…. Eu li muito também, estudo a história das lutas sociais no Brasil. Fico horrorizado ao ver que todos aqueles que lutaram neste país pelo povo, como Zumbi [escravo insurgente no século XVII], Tiradentes [revolucionário século XVIII] ou Antônio Conselheiro [pregador do século XIX], foram decapitados, enforcados ou queimados vivos, e ver que as pessoas não sabem quem são, como se nunca tivessem existido.
– Você se identifica com eles?
– Sim. Eu acho que sou um pouco a sua versão moderna. Com uma forma mais sofisticada. No meu caso, o poder judiciário não foi usado para restaurar a justiça, mas para fazer política.
– A França e o Brasil experimentaram uma crise diplomática em torno da questão da preservação da Amazônia, em um contexto de insultos lançados pelo Presidente Jair Bolsonaro contra Emmanuel Macron. Como você viu esse episódio?
– Sempre tive excelentes relações com todos os presidentes franceses, da esquerda para a direita, com Chirac, Sarkozy e Hollande. Sou solidário a Emmanuel Macron ante os insultos que foram feitos à sua esposa. Foi de uma grosseria espantosa e não tem nada a ver com o povo brasileiro.
– Quais são as soluções, na sua opinião, para os incêndios que estão devastando a Amazônia atualmente?
– O povo deve reagir. É preciso que os brasileiros se mobilizem e se manifestem em defesa do meio ambiente, pois não há nada a esperar de Bolsonaro ou seus ministros sobre esse assunto. Devo lembrar, aproveitando, que meu governo, o do Partido dos Trabalhadores, foi o que melhor cuidou da Amazônia. Foi no meu mandato que foi criado o fundo, financiado pela Alemanha e Noruega, para proteger a floresta. Fui eu quem criou um plano de prevenção que fez diminuir o desmatamento ilegal. Também fui eu quem inaugurou 114 áreas naturais protegidas no país. Nós cuidamos do meio ambiente e cuidamos bem dele.
– Houve, no entanto, na presidência (2003-2010)* e na de Dilma Rousseff (2011-2016), numerosas críticas feitas pelos defensores do meio ambiente. Especialmente sobre a construção da barragem de Belo Monte, na Amazônia … O PT pode realmente dar lições sobre o assunto na Amazônia?
– Ouça, nem Deus pode escapar das críticas! E para um governo, é ainda pior. Fizemos tudo o que podíamos fazer. Belo Monte era uma necessidade para este país. Foi construído com o acordo de todas as comunidades indígenas que moravam lá. O Brasil precisava desenvolver seu potencial hidrelétrico. 80% da energia produzida pelo Brasil é limpa. E estamos orgulhosos disso!
– Você apoia a ideia de uma internacionalização da Amazônia sugerida por Emmanuel Macron?
– Não! A Amazônia é propriedade do Brasil. Faz parte do patrimônio brasileiro. E é o Brasil que deve cuidar disso. Está claro! Isso não significa que você deva ser ignorante e que a ajuda internacional não é importante. Mas a Amazônia não pode ser um santuário para a humanidade. Lembro que 20 milhões de pessoas moram lá, precisam comer e trabalhar. Também devemos cuidar deles, levando em consideração a preservação do meio ambiente.
– Após oito meses de governano, qual a sua opinião sobre a presidência de Jair Bolsonaro?
– Bolsonaro não faz nada. Ele destrói. Destrói a educação cortando o financiamento das universidades, que não podem mais pagar bolsas de estudo. Destrói os direitos dos trabalhadores, pelos quais lutamos muito. Destrói a indústria privatizando empresas brasileiras, incluindo a Petrobras – que é um crime! É um governo de destruição, sem nenhuma visão de futuro, sem programa, que não está qualificado para o poder. É por isso que Bolsonaro diz tanta bobagem, ele insultou a esposa de Macron e Michelle Bachelet, que ele discute com Maduro… É uma loucura total. E depois ele se submete totalmente a Trump. Eu nunca vi nada assim!
– O “antipetismo”, ou rejeição ao PT, é muito forte entre uma parte da população no Brasil. Não é hora de autocrítica, nem virar uma página, criar um novo partido ou mudar seu nome?
– O PT não precisa ser autocrítico. Por que uma autocrítica? Sobre qual assunto? O PT não deve mudar de nome, mas mudar o que está na cabeça das pessoas. A verdade é que eu teria vencido as eleições, mesmo da prisão, se tivesse sido permitido pelo juiz! Além disso, Fernando Haddad [candidato do PT na eleição de 2018 contra Bolsonaro] ainda conquistou 47 milhões de votos. É muito! O PT é grande, é o partido de esquerda mais extraordinário do mundo. É um partido muito bem organizada. Ele vem em primeiro ou segundo lugar em cada votação há vinte anos. Então, sim, perdemos uma eleição, isso mesmo. Mas perder é normal em uma democracia. Não podemos sempre vencer. No Brasil, existem muitos antipetistas, mas também muitas pessoas que acreditam no PT e outras que precisam ser convencidas.
– Não haverá questionamentos de sua parte?
– No Brasil, sempre tivemos pessoas com um discurso ultrarreacionário que venceram eleições, isso não é novidade. Bolsonaro é, em primeiro lugar, o resultado de uma rejeição à política. Nestes momentos da história, onde a política é tão odiada, as pessoas se agarram ao primeiro monstro que se aproxima. É lamentável, mas aconteceu.
– Apesar das revelações do site “The Intercept” nos bastidores do caso “Lava Jato”, seus repetidos pedidos de liberdade foram rejeitados ou adiados pelos tribunais. Você mantém a esperança de ser libertado?
– Há um pacto entre a mídia, os promotores e o juiz Sergio Moro [chefe da operação anticorrupção “Lava Jato”, e agora ministro da Justiça]. Eles espalharam tantas mentiras sobre mim que não têm coragem de desfazer seu julgamento. No domingo [8 de setembro], a imprensa revelou novas informações, mostrando que Moro havia mentido para o STF. Esse tipo de comportamento, de um juiz, não perdoo. Mas tenho certeza que vou sair daqui, e um dia essas pessoas serão responsabilizadas pelo que aconteceu neste país. Continuo confiando na justiça, embora saiba que ela está sob muita pressão.
– Você aceitaria um regime semiaberto? Ou para cumprir sua sentença em casa, com uma tornozeleira eletrônica, como você deve receber a partir do final de setembro?
– Não peço favores, nem redução de sentença. Nada além de justiça! Minha casa não é uma prisão. E, tornozeleira eletrônica, é bom para pombos-correios! Tudo o que quero é reconhecer minha inocência.
– A sociedade brasileira está muito polarizada atualmente. Você não teme que sua vida seja ameaçada se você sair da prisão?
– Uma pessoa como eu, que nasceu onde nasceu, que comeu pão pela primeira vez em sua vida aos 7 anos de idade, que dormiu muitas vezes sem jantar e que chegou onde eu cheguei, essa pessoa, ela não pode ter medo. O Brasil é um país de paz, com um povo que ama a alegria de viver. Aqueles que tentam torná-lo uma nação de ódio devem ter vergonha! Eu quero sair da prisão e ir falar com o povo, para voltar esse gostinho de ser brasileiro. Eu sou um homem sem espírito de vingança, sem ódio. O ódio lhe dá azia, dores de cabeça e dores nos pés! Estou bem, porque estou do lado da verdade. E, no final, ela sempre vence.
Traduzido por Flávia Neme
Nota da tradutora: O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocorreu entre os anos de 2003 a 2010, não de 2003 a 2011 como veiculado originalmente
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