Acusação fraca sobre caças suecos é a última contra Lula
É este o último processo que resta aberto contra Lula, que, nos últimos anos, teve propostas contra si pelo menos 18 aberturas de inquérito, indiciamentos e ações penais, passou 580 dias preso, teve seus direitos políticos cassados, foi impedido de ser candidato e a até de conceder entrevistas durante o período eleitoral de 2018, tendo sido impedido, inclusive, de acompanhar o sepultamento de um irmão.
Atualmente, na acusação que resta e que o Ministério Público ainda escuda, Lula, que deixou o cargo de presidente em 2010, exerceu ou “fingiu poder exercer” predominante tráfico de influência que levasse o governo brasileiro a adquirir caças de uma companhia sueca em detrimento das outras duas que concorriam no processo brasileiro de aquisição de aeronaves de defesa.
No processo penal, o MPF-DF acusa Lula de ter “vendido” a falsa ideia de que teria como influenciar o governo Dilma Rousseff para ela este comprasse 36 aviões-caça da empresa sueca SAAB, e não da companhia francesa Dassault que com ela ainda competia — a outra concorrente, a norte-americana Boeing, já havia deixado o certame.
Tudo ocorria dentro de um intrincado processo de compra de equipamentos militares pelo Estado brasileiro, que vinha sendo negociado desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e cuja conclusão só se deu no governo Dilma, em agosto de 2015.
Na ação, os procuradores afirmam que o ex-primeiro-ministro da Suécia, Stefan Löfven, teria tentado marcar uma reunião com o ex-presidente Lula no final de 2013, e que essa reunião seria para que Lula usasse de sua influência no governo Dilma para convencê-la a comprar os caças suecos.
Os procuradores alegam ainda que o mandatário sueco (que, à época, ainda não era primeiro-ministro daquele país), teria escrito uma carta a Lula pedindo que ele “fizesse este favor”.
Isso é o que alega o MPF-DF. Na acusação, porém, não consta qualquer comprovação de que a carta sequer tenha chegado a Lula, conforme apontado em processo pela defesa do ex-presidente, tampouco explica como teria sido possível ou se dado o arranjo ilegal entre o presidente a empresa. Como o ex-presidente teria intercedido junto ao governo federal para que a compra se efetivasse?
A peça acusatorial do MPF não traz essas respostas, mas sugere um motivo para que a empresa norte-americana tenha deixado o processo concorrencial antes de seu término: “O fator determinante na opção da ex-presidente [Dilma Rousseff] parece mesmo ter sido a crise dela com o então presidente americano, Barack Obama, a partir de documentos vazados por Edward Snowden”.
“O processo de aquisição dos caças Gripen NG (o produto sueco) foi permeado de apuro técnico e atenção às questões econômico-financeiras e à situação fiscal do país. A complexidade de fatores envolvidos não permite que justificativas singelas elaboradas pela acusação expliquem o processo decisório. Assim, é pouco relevante a contribuição do Parquet (Ministério Público) ao emitir opiniões rasas sobre temas que fogem de sua alçada”, foi a resposta, no mesmo processo, da defesa de Lula sobre a peça acusatória.
A renovação da frota de caças da Força Aérea Brasileira (FAB) é um projeto de longa data, cujo embrião remonta ao governo de José Sarney, e carrega uma importante decisão geopolítica. A avaliação é do professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) Alcides Peron.
“A compra de armamentos não é a compra de um produto qualquer, ela obedece conjuntos de interesses e alinhamentos geopolíticos muitos sólidos, importantes e sensíveis”, afirma o pesquisador ao Brasil de Fato.
Peron estudou o programa FX-2 da FAB, como a compra de caças pelo Brasil foi batizada, em seu mestrado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e ressalta que os suecos da SAAB foram escolhidos porque ofereceram o melhor offset, termo usado para tratar do pacote de compensações que acompanha a negociação. A venda dos caças Gripen prevê a produção de peças da aeronave no Brasil, pela Embraer, além do treinamento de pessoal e transferência de tecnologia.
“A gente não pode pensar que é só o governo ou três, cinco ou dez militares em uma salinha discutindo isso, não. Você tinha participação ativa da indústria nacional, setores da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], setores de defesa amplamente engajados nesse processo”, avalia Peron.
É nesse contexto que a então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, visitou o Brasil em 2010 e defendeu a compra de caças da Boeing. E a embaixada estadunidense no Brasil emitiu nota defendendo a compra dos caças F-18. Além disso, Donna Hrinak, embaixadora dos EUA no Brasil de 2002 a 2004, é presidente da Boeing no Brasil desde 2011.
Os Estados Unidos, contudo, nunca estiveram perto de fechar o contrato com o governo brasileiro. A escolha ficou entre os franceses da Dassault, como os favoritos da disputa, e os suecos da SAAB, avalia o professor da Fecap.
Em 2013, um episódio contribuiu para diminuir as chances da Boeing: a revelação feita por Edward Snowden de que os EUA espionaram a então presidenta Dilma Rousseff e a Petrobras, além de outros líderes mundiais como a chanceler alemã Angela Merkel.
“O episódio do Edward Snowden ajuda a abalar um pouco as relações entre Brasil e EUA, mas naquele momento a escolha do caça norte-americano já estava escanteada há muito tempo porque era muito fajuto o que eles ofertavam como offssets e uma compra como essa exige um conjunto de benefícios, porque se trata de um alinhamento geopolítico.”
A previsão é de que a Justiça Federal no DF decida ainda este ano pela continuação ou não da ação penal.
Do Brasil de Fato.