Introdução

A versão original do artigo “Lava Jato, Moro suspeito e Fundos Abutres – a lógica de subordinação ao imperialismo” foi escrita logo após a decisão da 2ª turma do STF apontando a suspeição do ex-juiz Sergio Fernando Moro. O pleno do Supremo, apesar da suspensão do julgamento com pedido de vistas do ministro Marco Aurélio, já formou maioria de 7 votos a 2, mantendo a suspeição do magistrado paranaense. O texto que segue retoma o debate da relação entre o entreguismo, crime de lesa pátria e a operação de Lawfare contra a soberania nacional brasileira. Voltemos para a cronologia dos fatos.

No dia 23 de março, véspera da data macabra que celebra o genocídio da gloriosa juventude argentina, no golpe de 1976 (24/03/76), a Segunda turma do Supremo Tribunal Federal (o STF, aquele que Romero Jucá disse “que seria com o Supremo, com tudo”) julgou por 3 votos a 2 a suspeição do ex-juiz federal da 13ª vara criminal de Curitiba (sede da República de Curitiba, em alusão aos golpistas de 1954 e sua famigerada República do Galeão). Citado nominalmente por Gilmar Mendes (o causídico mais afiado do Estamento Togado), Sergio Fernando Moro foi apresentado como é: um juiz parcial, que atropela o devido processo legal e opera em consonância com a acusação, antecipando os passos da defesa do réu. O outro nomeado por Mendes foi o impagável procurador federal Deltan Martinazzo Dallagnol, ex-coordenador da Força Tarefa e o mais agitado dos membros de grupos de conversas como “Filhos de Januário” e outros mais.

Se não fosse a série de reportagens conhecida como Vaza Jato, trazida a público pelo site jornalístico The Intercept Brasil (e solenemente ignorada por alguns jornalões, incluindo a Rede Globo), nada teria acontecido. Para terminar a síntese, a Operação Spoofing, lançada em julho de 2019, transformou ao menos em evidências (sem perícia comprovada ainda) as conversas obtidas por hackers brasileiros, ao invadirem os grupos do Telegram dos mais destacados juristas da Lava Jato.

Dessa forma, a antiga oposição do PIG (Partido da Imprensa Golpista), a grande mídia que aderiu ao estilo tipo Fox News – conceito aplicado por Luis Nassif, ao qual reputo correto – abandona parcialmente o algoz do pacto de classes que propiciou a aliança brasileira capital-Estado-trabalho. Tal coalizão, aos custos de sempre do “Centrão” (o direitão que co-governa o Brasil desde a não aprovação da emenda das “Diretas Já”, em abril de 1984), que contou com a adesão parcial dos agentes econômicos “nacionais”, levou o país a uma gigantesca distribuição de renda (com no mínimo 44 milhões de beneficiados) e a posição do país como 6ª economia do mundo. A Operação Lava Jato nasceu para desmontar essa potencialidade e não para punir o crime de elite.

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Quando muito, a Lava Jato tem a meta de defender um suposto “capitalismo concorrencial”, impossível de ser realizado em cadeias de alto valor agregado. Dessa forma, a meta não é “garantir boas práticas” e sim aumentar a presença do capital transnacional, de qualquer origem e natureza, diminuindo a pressão interna pelo conflito distributivo e a capacidade de consecução do aparelho de Estado. A base da Operação Lava Jato é o Projeto Pontes, já deveras comprovado através do portal Wikileaks, cuja documentação nunca foi negada (e tudo vindo após ser comprovado através das conversações registradas na Spoofing, cujo conteúdo o STF teve acesso).

Não haveria desgoverno Bolsonaro sem a negativa de pedido de habeas corpus pelo STF, recurso jurídico impetrado por parte da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mais que controverso Pleno do 4º Tribunal Regional Federal (4º TRF, a segunda instância da justiça nacional), só determinou a prisão do ex-dirigente metalúrgico e líder social-democrata, porque o pedido de habeas foi negado. E quanto dessa negativa foi fruto da influência da ameaça de golpe de Estado, emanada pela conta do Twitter do então comandante do Exército Brasileiro, o general de quatro estrelas, Eduardo Villas Bôas? E nenhuma dessas manobras seria possível sem a Lava Jato e a ilegal Cooperação Jurídica Internacional, que driblou a estrutura de autoridade central e travou relações diretas com agentes e adidos legais da embaixada dos EUA no Brasil.

Os membros da “Republiqueta Coxinha de Curitiba” foram o braço nacionalizado dos gringos, aplicando o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act ou Lei de Práticas de Corrupção no Exterior; legislação federal dos gringos datada de dezembro de 1977) e, obviamente, defendendo os “acionistas minoritários” da Petrobras. Qual o dano? O emprego da composição de preços e metas estratégicas da maior empresa do Brasil, de modo não subordinado aos índices especulativos (como o WTI e Brent, como já expomos em artigos anteriores). São práticas renovadas de antigos formatos de intervenções.

O caso da Operação Lava Jato é Lawfare (o emprego da lei como arma de guerra). Simples assim.

Lava Jato, Papeis Abutres e o estamento a serviço de outro país

Além das “micaretas coxinhas” e “pandemônio pós-integralista” (falaremos dessa boçalidade instrumentalizada em textos posteriores), impressiona também a repetição da farsa histórica. Como também já explicamos em artigos anteriores, a composição de preços de acordo com o “consórcio internacional” foi uma das exigências da British Petroelum e da Gulf Oil Company após o golpe no Irã, em 1953. O “nacionalismo energético” é fator de poder e acumulação em todo o planeta, mas o viralatismo brasileiro insiste em defender o “alinhamento com os preços internacionais”. Na Argentina ocorreu algo semelhante e este analista já desenvolveu o tema há algum tempo.

Mais farsa, pois a ação dos chamados Fondos Buitres – Fundos Abutres – igualmente defendidos e julgados em corte federal de 1ª Instância em NYC – condenou a Argentina a pagar juros para a agiotagem. O governo Cristina resistiu e não pagou, levando o tema para cortes internacionais. A mídia dos hermanos xingava e gritava, defendendo o “dever histórico da pátria financeira” de puxar se subordinarem aos especuladores estadunidenses. Depois, Macri fez tudo o que a parasitagem queria. Em quatro anos, o neto da ditadura e filho do menemismo conseguiu reverter os índices de distribuição de renda que vinham sendo recuperados desde 2003 até 2015. Com todos os problemas – e havia aos montes – a versão Kirchner do justicialismo ao menos atenuou a diferença de pobreza e riqueza e em alguns ramos da economia conseguiu retomar controle nacional (incluindo a YPF, a estatal argentina de petróleo e derivados, quebrando o contrato fraudulento da Repsol).

No caso brasileiro, estamos afundando em DDP – diferencial de pobreza, o conflito distributivo interno – desde o golpe com apelido de impeachment e também no ano anterior, quando as políticas austericidas voltaram com Joaquim Levy (outro Chicago Boy raiz), que assumiu a pasta da Fazenda de Dilma Rousseff. A facada mortal da Lava Jato foi o “acordo” com os “acionistas minoritários”, através de corte federal gringa em NYC. Ali, a composição de preços seguindo os contratos futuros do Brent e, principalmente, o WTI, muda a orientação da Petrobras que, segundo a Justiça de outro país, aplicava “preços artificiais” baseados em custos de produção e não em pressões especulativas. Parece absurdo, é absurdo, e só não é ainda mais absurdo, porque o nobre procurador Deltan Dallagnol não pode levar à frente a Fundação Lava Jato, literalmente afanando percentual dessa multa.

Tem saída, mas implica risco e convicção

Qualquer projeto de desenvolvimento capitalista periférico, mesmo quando no nosso caso é semi-periférico, pode implicar em ampla mobilização social e projetos de poder da maioria para além do jogo eleitoral e da coalizão entre forças antagônicas. Era isso que estava em jogo nos ensaios de Poder Popular do governo Salvador Allende, no Chile (1970-1973), que culminou com o golpe encabeçado por Augusto Pinochet, mas que de fato foi orquestrado por economistas Chicago Boys e pela inteligência da Embaixada dos EUA.

No caso brasileiro, tanto o golpe que induz Vargas ao suicídio, em agosto de 1954 e, dez anos depois, no 1º de abril de 1964, quando João Goulart se recusa a resistir, vinham nesse sentido “preventivo” por direita. Em 2016 foi tudo “limpinho e cheiroso”, como nas “análises científicas” dos economistas a serviço da especulação e da jogatina financeira, aqueles que recomendam trabalharmos sem direito algum e que jamais vão aceitar investimentos com previsão de retorno em 12 meses, como é a média da indústria.

Enfim, vai demorar para limpar toda essa imundície, ainda mais com a pandemia e o desgoverno do protofascista Jair Bolsonaro, os mais de 6.100 militares que ocupam cargos em desvio de função, além do conjunto de operadores de mercado encastelados no Ministério da Economia, sob a batuta do pinochetista Paulo Guedes. Tampouco podemos contar com um grande empenho da social-democracia em resistir no sentido de antever um contragolpe. Tomaram um golpe sem reagir em 2016, e a tendência é que tomem outros vários enquanto se recusarem a lutar com todas as ferramentas necessárias contra o imperialismo e seus aliados internos.

*Este artigo originalmente publicado na Revista Manutenção

Por Bruno Lima Rocha Beaklini, no Brasil de Fato RS.