Foto: Agência Senado

Indignada. É como está a poetisa e atriz, Elisa Lucinda, depois que o procurador Maurício Gerum, do TRF-4, usou seu poema “Só de Sacanagem” na justificativa do seu voto para condenar o ex-presidente Lula na última quarta-feira (27), no processo do sítio de Atibaia.

A poeta diz ainda que Gerum “não entendeu nada” de sua poesia e que Lula é inocente.

“Não faz nenhum sentido, porque Lula, para mim, foi o melhor presidente que o país já teve. O único presidente que não era da elite, que fez o que fez pelo povo brasileiro, e que é inocente”, criticou a poeta.

Depois de publicar o artigo “Só de Sacanagem Vou Explicar”, nesta quarta-feira, 28, explicando o uso distorcido do seu trabalho em um caso que é oposto do que ela defende no seu poema, Elisa Lucinda foi para as redes sociais reforçar sua posição. (Leia abaixo o artigo)

“Usar esse poema que critica qualquer tipo de corrupção, um poema que pergunta ‘cadê, Queiroz?’, um poema que pergunta porque que se mata indígenas e negros nesse país, sendo que o governo incita a mais matança. É isso que o poema pergunta”, questiona. (Leia abaixo o poema)

Não é a primeira vez que o mesmo poema de Elisa é usada em um contexto totalmente distorcido. Declamado durante um show pela cantora Ana Carolina, o vídeo circulou durante a campanha de 2018 editado com o número 17 e usado para apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro.

“Se você achou que o ‘Só de Sacanagem’ poderia ser utilizado por fascistas, você não entendeu nada do que eu penso”, afirmou a artista.

O perfil do ex-presidente Lula no Twitter agradeçeu a declaração e postura de Elisa:

Elisa é taxativa Não vou trair meu povo!

“Gente, é uma viagem que se utilizem do poema “Só de Sacanagem” pra justificar as coisas que o próprio poema execra, não concorda.

“O ministro [sic], do TRF-4, usar o poema “Só de Sacanagem” na justificativam para condenar o ex-presidente Lula não faz o menor sentido.

O único presidente que não era da elite, que fez o que fez pelo povo brasileiro e que é, pra mim, inocente. Limpo.

Então assim “usar esse poema que critica qualquer tipo de corrupção, um poema que pergunta ‘cadê, Queiroz?’, um poema que pergunta ‘porque que se mata indígenas e negros nesse país, sendo que o governo incita a mais matança.’

É isso que o poema pergunta.

Se você achou que o ‘Só de Sacanagem’ poderia ser utilizado para favoecer fascistas, você não entendeu nada do que eu penso”, concluiu.

E aconselha:

 “Lê, lê, lê, Lê. Eu não vou trair meu povo”.

Assista:

Leia o manifesto da Campanha: Lula Livre: A luta continua!

Leia o artigo de resposta:

Só de sacanagem vou explicar:

            Ao proferir seu voto contra o ex-presidente Lula o presidente do TRF4 citou trechos do meu poema que compõe título desse texto. Esclareço e reitero que o poema foi feito contra a corrupção, contra fascistas, contra homofóbicos e contra qualquer abuso de poder ou qualquer uso do dinheiro público em favor de alguns e que vá contra o povo brasileiro. Simples assim. Nunca autorizei o uso desse poema para eleger ou para contribuir para a vitória do novo governo federal que aí está. A imagem da cantora Ana Carolina com o número 17 descaradamente posto sobre sua face, circulou como uma grande fake news fartamente durante a última campanha presidencial nas redes. Quem via e não me conhecia ou não conhecia a Ana poderia pensar que se tratava de uma posição política nossa, alinhada ao pensamento dos que usaram indevidamente a nossa arte. Não confere. Na época, as irregularidades do que ficou conhecido como mensalão, foram punidas e coerentemente, vale ressaltar, o governo petista foi imparcial na investigação das denúncias, tivemos pela primeira vez uma polícia federal independente e autônoma. Este poema quer saber onde está Queiroz, o esquema daquele milhão, o depósito na conta da primeira dama. Este poema interroga se um juiz pode coordenar as peças de uma acusação no caso que vai julgar; meu poema quer saber quem mandou matar Marielle, quem punirá os quebradores da placa. Este poema não elogia torturadores, não quer a volta da ditadura, não avaliza quem pensa AI5. O Só de Sacanagem é um poema de combate e não quer fechar o congresso. Apoiado na constituição e confiante na democracia, a bandeira que esse poema estende não abraça corruptos, milícias, polícia genocida. Não. Digo isso aqui com todas as letras para que não reste dúvidas.

Hoje tudo que pode nos salvar é a Constituição. Eu acredito que é ela que vem dando limites à medidas provisórias descabidas e autoritárias, e nos guia dentro do caminho do desenvolvimento de todos baseado na igualdade.

É inconstitucional, por exemplo, no meu entender, que um cidadão proclame o racismo, ataque seus defensores, sendo essa prática crime. Torna-se portanto duplamente inconstitucional se esse cidadão é nomeado para dirigir uma instituição com fins anti racistas. Um cargo público não pode ferir o povo. Neste momento em que Marielles se multiplicam pelo Brasil, e que nunca fomos tão ouvidos, um acinte a presença de um negro alienado dos princípios e das conquistas contemporâneas que combatem a necro política de  Estado que nos assassina de norte a sul. É hora de nos mobilizarmos nacionalmente. Todas as instituições, todos os movimentos negros, todas as associações e organizações não governamentais devem se unir e escancarar para o mundo tal escândalo. Não somos poucos. Respeitem os 54% dessa população brasileira. Negra, tal maioria, se avoluma consciente e não vai legitimar a presença desse senhor na Fundação Palmares. A desastrosa nomeação se deu no mesmo dia, em que resolvo me colocar publicamente como uma vítima intelectual de mais uma fake news deste governo e de seus defensores. Sigo indignada, como alguém que tem a sua arte usada em favor do que execra.

            Mas não estou só. Sei que quem me lê, quem consome a minha arte, quem frequenta meu teatro, quem me vê nas telas, nas entrevistas, nos atos públicos, não tem dúvida que estou com o povo brasileiro. No entanto, há os mais ingênuos, os que não se detém a refletir, os que seguem enganados achando que o “Governo Bolsonaro vai dar um jeito nesse país”, e é para esses que também escrevo. Pra mim não são maus. Só ainda não entenderam, perdidos entre as versões mais loucas, que incluiram um delírio chamado “mamadeira de piroca”, coisa que até numa ficção teria dificuldade de credibilidade.

            Quando se tem um governo que não se incomoda com o sofrimento e o homicídio de sua população jovem pobre, que não se comove com seus velhos, que tira direitos, aposentadorias e cidadanias, que ataca os defensores das matas e das populações ribeirinhas com o Saúde e alegria e vários guardiões, não se importa com a alta taxa de desemprego, que não reconhece a metástase do racismo apodrecendo o nosso corpo social, que desfaz do nordestino construtor destas metrópoles todas, que faz declarações homofóbicas e desfila atitudes que autorizam tais crimes, não se pode esperar que venha paz dessa gestão. Como viria? Eu pergunto. Como haverá paz com o aprofundamento da desigualdade? Que matemática nos convencerá?

            Nos trabalhos que fazemos, nós da Casa Poema, junto à OIT e os Ministérios Públicos do país dentro da socioeducação, fica tão claro que a condenação só bate no lombo de quem sempre apanhou. Nas cadeias, nos morros, nos hospitais públicos, como se fosse um “blackout” só se vê a maioria negra. E isso não é coincidência. Nada por acaso. A maioria dos santos católicos é branca e chegaram ao cúmulo de embranquecer as imagens dos orixás. Não há limite? As 7 crianças mortas nas comunidades cariocas dentro de um governo que toda hora fala em nome de deus e da família são todas pobres e negras. Seria coincidência? Nenhuma delas tem sobrenome importante e por isso não virou um escândalo seu extermínio. Então os que postulam e aprontam em nome de Deus enfiaram em que parte o “Vinde à mim as criancinhas…” Ninguém percebeu que, com o aumento da desigualdade, não haverá proteção de nenhuma parte? O Deus citado está sabendo disso? Fake news com a palavra de Deus????!

É surreal que eu esteja escrevendo essas linhas. É absurdo que o ministro do tribunal regional federal cite meus versos se arriscando a cometer tamanho equívoco uma vez que está em todas as minhas redes exposto o meu pensamento comprometido com o bem estarte contra a imensa desigualdade que oprime e maltrata o povo brasileiro. A citação do meu poema é um mico. Sou aquela que puxou a campanha #votecomumlivro no professor Haddad, sou aquela que se sente envergonhada a cada declaração dos representantes desse governo no cenário internacional. Sou aquela que acha Lula inocente e o melhor presidente até agora nesta terra só de elites no poder. Sou aquela que empresta sua voz todo o dia contra o feminicídio, contra o machismo tóxico, contra o racismo, em favor da diversidade. Citar-me erroneamente expõe a ignorância do citador, é verdade, mas também faz uma bagunça na cabeça de quem tem dificuldade de ler esta doida realidade virtual, lugar em que a mentira se mimetiza em verdade e, o faz com tamanha desfaçatez, a ponto de relativizar o fato de haver ou não verdade naquela mentira vestida de verdade. É grave.

Meu poema Só de Sacanagem sempre servirá à liberdade de pensamento, e jamais assinará embaixo qualquer forma de abuso ou de opressão. Mesmo tendo usado sem a minha permissão, sem autorização de imagem e voz de Ana Carolina que o gravou, o poema sobrevive firme e parece até uma sacanagem que seus usurpadores não o tenham compreendido. Parece uma piada. Provocaria risos se não fosse trágico. Talvez não se tenha percebido logo. Talvez os desavisados de plantão, na pressa de embaralhar as narrativas se atropelaram a tal ponto em usá-lo como exemplo que nem se aperceberam, e nem se sentiram atingidos pelas palavras.

Está explicado então. Meu poema concordar com tais atrocidades não pode parecer o normal.

Escrevo porque sei que “se a gente quiser, vai dar pra mudar o final”.

Elisa Lucinda, quase verão, 2019″

por Gladson Targa, @nomeubulenao

Leia o original:

Só de sacanagem

Meu coração está aos pulos 
Quantas vezes minha esperança será posta a prova? 
Tudo isso que está aí no ar 
Malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro 
Do meu dinheiro, do nosso dinheiro 
Que reservamos duramente 
Para educar os meninos mais pobres que nós 
Para cuidar gratuitamente da saúde deles, dos seus pais 
Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade 
E eu não posso mais 
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? 
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz 
Mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros 
Venha quebrar no nosso nariz 
Meu coração está no escuro 
A luz é simples 
Regado ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó 
E os justos que os precederam: “NÃO ROUBARÁS” 
“Devolva os lápis do coleguinha” 
“Esse apontador não é seu, minha filha” 
Pois bem, se mexeram comigo 
Com a velha e fiel fé do meu povo sofrido 
Então agora eu vou sacanear 
Mais honesta ainda eu vou ficar 
Só de sacanagem 
Dirão: “deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba” 
E eu vou dizer: “não importa, será esse o meu carnaval” 
Vou confiar mais e outra vez 
Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos 
Vamos pagar limpo a quem a gente deve 
E receber limpo do nosso freguês 
Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambal 
Dirão: “é inútil, todo mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal” 
E eu direi: “não admito, minha esperança é imortal” 
E eu repito: “ouviram? IMORTAL” 
Sei que não dá pra mudar o começo 
Mas, se a gente quiser 
dá pra mudar o final! 

Elisa Lucinda

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