Foto: Ricardo Stuckert

A professora de Direito Internacional Carol Proner da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) visita Lula nesta quinta-feira, 19, em Curitiba. A jurista está acompanhada do cantor e compositor Chico Buarque e leva a mensagem da entidade que luta pelo restabelecimento do estado democrático de direito, pela libertação do ex-presidente e contra a prisão política.

Confira a carta entregue ao ex-presidente:

“Querido Lula, 

Escrever uma carta para você é um desafio para nós. Porque há tanto a dizer e, ao mesmo tempo, palavras não parecem bastantes quando temos que expressar tantos sentimentos contraditórios, como nossa indignação pela injustiça de sua prisão, nossa gratidão pela dedicação ao nosso país e ao nosso povo, e nossa certeza de que no curso da história nos encontraremos em breve fora de grades e muros. 

Nossa luta tem convergências com pontos de sua história. 

A ABJD surgiu em 2016 durante o processo do golpe jurídico-midíaticoparlamentar-empresarial contra a presidenta Dilma. Como frente de juristas e depois como entidade, reunimos profissionais de todas as áreas e carreiras jurídicas, também pertencentes a diversas matizes do campo político combativo e comprometido com a defesa da democracia e direitos sociais. O desafio de criar essa entidade em tempos de golpe aumentou no período atual, com a eleição de um governo com características profundamente autoritárias e neofascistas, altamente militarizado, com uma plataforma de extrema-direita, cuja meta é desconstruir o projeto constitucional de 1988, cessar a busca pela construção de um Estado de bem estar social presente nos últimos governos eleitos, dilapidar o patrimônio público nacional, promovendo a privatização de nossas empresas, estimular o agronegócio predatório e inimigo da preservação ambiental, incitar a violência institucional, retirar qualquer possibilidade de participação social na construção de políticas públicas, e entregar o patrimônio nacional ao rentismo.

Um governo que intenta transformar o ódio em política pública, promotor da violência e desrespeito às diferenças em suas mais diversas dimensões, incentivador de um fundamentalismo religioso que divide o país, que usa de xenofobia contra migrantes, e cujas ações têm sido enxergadas no mundo inteiro como expressão de estupidez, incivilidade e tirania. 

Essa “página infeliz de nossa história” por certo não difere muito da luta dos metalúrgicos que você liderou durante os duros anos da ditadura militar, com coragem e sabedoria. Em pouco tempo de entidade formalmente constituída, a ABJD já aparece e incomoda. Já fizemos representações no Conselho Nacional de Justiça, no Conselho Nacional do Ministério Público, ações judiciais em tribunais. Fizemos uma campanha pela presunção de inocência no ano de 2018, participamos de debates nas comissões mais importantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, participamos da elaboração de livros denunciando o golpe jurídico-parlamentar, a injustiça e a parcialidade de seu julgamento. Nossos membros elaboram artigos nos jornais e blogs, com vistas a influenciar a opinião jurídico-política na aplicação de um Direito justo e digno. Nesse caminho, enfrentamos, como todas as entidades comprometidas com a democracia, ameaças e tentativas de intimidação em nossas realizações. 

Nos organizamos em núcleos nos Estados. Núcleos que possuem vida e dinâmica próprias, acompanham as questões locais e atuam com constância e bravura, denunciando os desmandos de governos e instituições aliadas ao pensamento do poder central do país. 

Nossas ações mais recentes foram apresentar uma notícia crime ao STF contra o ex- juiz Sérgio Moro e os membros da força-tarefa da operação Lava Jato na segunda-feira (16), nova representação ao CNMP contra Deltan Dallagnol e os demais procuradores da força-tarefa da operação, flagrados nas conversas mais reveladoras de que sua ação não era jurídica, nem éticolegal. Escrevemos uma Carta Aberta e enviamos a todos os ministros do STF, aos conselheiros do CNMP e CNJ na semana que se encerrou, cobrando respostas sobre as revelações que vem sendo feitas pelo portal The Intercept Brasil e seus parceiros, e a deflagração da campanha #MoroMente, que explicaremos adiante. Porque não é mais possível nem aceitável esse silêncio das instituições sobre os fatos que achincalham o sistema de justiça. 

Junto a diversas entidades compomos a Comissão Executiva do Comitê Nacional Lula Livre, causa que abraçamos desde o primeiro momento, na clareza de que não se trata de uma bandeira partidária, mas de parte fundamental da luta de todos que acreditam na defesa de nossa Constituição e do devido processo legal constitucional. Compreender a prática de Lawfare de que você é vítima, presidente, nos coloca ao lado da mais coerente posição para denunciar a indignidade de uma prisão política.

Nossa campanha #MoroMente, que teve início nas redes sociais no dia 1º de agosto de 2019, dia no aniversário do ex-juiz, realizou um grande ato na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo no dia 19 de agosto, com a presença de juristas, comunidade acadêmica, lideranças dos movimentos sociais, de líderes e dirigentes de partidos. Nosso amigo e colega advogado Luís Carlos Rocha leu sua carta enviada ao encontro, que nos encheu de orgulho. 

A campanha #MoroMente não fala de mentiras banais, ela busca esclarecer a farsa covarde encabeçada por esse indivíduo que se tornou – como prêmio por ter mudado o resultado eleitoral de 2018 – ministro da Justiça. A covardia de Sérgio Moro necessitou das sombras para se realizar como maldade. Mentiras travestidas de indignação contra a corrupção, enormes em sua infâmia, grandes o suficiente para que os covardes pareçam grandes. Mas os covardes serão sempre apenas isso, não possuem nenhum compromisso com os valores que mais nos importam, com a construção de um país mais igual, com justiça social e respeito ao Estado Democrático de Direito. 

Os esforços na luta contra a corrupção não mais podem ser utilizados de forma desviante, nesse espetáculo grotesco que expõe a imagem de cidadãos, jogando escandalosamente com a imprensa para produzir resultados, utilizando toda sorte de práticas espúrias e desvios. 

Nossa luta por um sistema de justiça que seja coerente com os valores e princípios da democracia é um dever moral pelo qual reconhecemos, em todos que são submetidos ao julgo do Estado, nossa própria humanidade. Uma conduta que, talvez, seja mesmo incompreensível para aqueles que confundem e utilizam o Direito como arma política. 

A perseguição de que você é vítima nos leva a denunciar diuturnamente como o sistema de justiça pode ser usado contra cidadãos, para perseguição de indivíduos e coletivos e a criminalização da política, com vítimas escolhidas. A farsa montada, cujo objetivo maior é ajudar na promoção de retrocessos políticos e sociais e entregar o Brasil aos interesses de grupos e ao capital especulativo internacional, está desmascarada. Mas ainda será preciso vencer a resistência dos inúmeros interesses escusos para que a verdade seja resgatada e prevaleça. Nossas ações, dentro e fora do mundo acadêmico, legislativo e judiciário, também fora do país, na elaboração de livros, artigos, notas, direcionam-se a influenciar decisões e legislações coerentes com as garantias de um país que preze pelo respeito aos Direitos Humanos. 

Não existe democracia com julgamentos parciais. É intolerável uma condenação feita claramente por decisão política e ideológica. 

Já disse o poeta Maiakovski que “o mar da história é agitado”, caro companheiro, e que devemos enfrentar as ameaças e as guerras. Seu exemplo, a bravura e altivez com que responde à arbitrariedade de que é vítima, com que encara seus algozes, nos enche de orgulho e esperança, e reforça nossa coragem para continuar resistindo, denunciando e insistindo. Somos teimosas e teimosos, abraçamos o desafio de nos mover em aliança com todos que se opõem à barbárie institucional, que fere de morte os princípios jurídicos postos na nossa Constituição e nossas leis, cuja representação maior hoje é seu encarceramento sem o cometimento de qualquer crime. 

Seguimos, Seguiremos. 

Receba nosso sincero e fraterno abraço, com afeto.”

ABJD

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