“Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos… e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!” A declaração do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, postada em seu Twitter, na noite desta segunda (9), foi prontamente rechaçada por políticos de vários matizes ideológicos e pela Ordem dos Advogados do Brasil. Não causaria tanto arrepio se o governo de seu pai não tivesse comportamentos autoritários e manifestasse desprezo por instituições democráticas. Antes da polêmica postagem, Paulo Arantes, um dos mais importantes pensadores brasileiros, que formou décadas de filósofos na Universidade de São Paulo, conversou com este blog sobre o governo Bolsonaro. Coincidentemente, entre os assuntos abordados com o professor aposentado do Departamento de Filosofia, a presença de um componente revolucionário no bolsonarismo e como o presidente está comendo instituições – Ministério Público, Receita Federal, Coaf, Polícia Federal – em nome de seu projeto de poder.

“Pode chegar o momento, daqui a três anos, em que Bolsonaro vai dizer ‘não admito nenhuma alternativa que não seja minha reeleição’. Como já disse ‘não admito qualquer coisa que não seja minha vitória’, na eleição do ano passado”, analisa Arantes. Ele faz uma comparação com o bolivarianismo do nosso vizinho ao Norte. “No sentido mais exagerado, o espelho simétrico de um bolsonarismo consolidado e triunfante, com uma reeleição em 2022 e uma outra eleição, possivelmente com o filho, em 2026, é a Venezuela”, afirma.

Para Paulo Arantes, a direita liberal não sabe o que fazer. Pois, se há desgosto diante de temas de costumes e comportamentos, para os quais ela torce o nariz, por outro lado, Bolsonaro está realizando o programa econômico dela junto com o Congresso. “E ele sabe que o cacife dele é o único capaz de conter uma volta daqueles que eles consideram a esquerda, a oposição – que, também na visão deles, voltará com sangue nos olhos. Então, ele vai ser assim todo o dia, um ultraje por semana.”

Questionado se o presidente odeia a democracia, afirmou: “Odiar a democracia pressupõe que ele tem um conhecimento a respeito da natureza intrínseca daquilo que está enfrentando. Ele não está nem aí, isso não existe para ele. Para ele, isso é alguma idiossincrasia vocabular de jornalista, mais nada”. Leia trechos da conversa com o professor Paulo Arantes:

Desde que assumiu o governo, Bolsonaro tem atacado não apenas adversários, mas também aliados, como o próprio ministro Sérgio Moro, como se quisesse evitar concorrência ou que outras pessoas façam sombra a ele e a seu poder. É possível traçar uma comparação em nossa história?

É uma coisa inédita na tradição brasileira. É um experimento que nós não conhecemos até agora, que é um governo de extrema-direita. Governos conservadores são sempre corriqueiros, governos de direita também. Governo de extrema-direita é uma coisa nova.

A única coisa que estranho nisso que ele está fazendo é a velocidade e a precocidade do processo. Isto sim é novo e tenho impressão que a direita clássica, que fechou acordo com ele, também está surpreendida. Acho que tem uma estratégia aí, que nós não estamos conseguindo decifrar. No limite, ele já está em campanha, limpando o terreno e sacrificando aliados. Por exemplo, sacrificar o lavajatismo, o Moro, pode ser uma estratégia suicida ou pode ser um lance de audácia. Ele é boçal, primitivo, tudo o que nos choca. Mas de idiota ele não tem absolutamente nada. Isso é o espantoso.

O que parece idiotice, na verdade, é tática?

O fato dele estar ultrajando a política estabelecida na América Latina, insultando o candidato que deve ganhar as eleições da Argentina, à primeira vista pode ser chocante, à segunda vista, suicida, e à terceira vista, acho que é uma grande manobra. Ele tem o apoio total de militares, que estão quietos e alinhados com ele. O generalato, que era a esperança da direita clássica brasileira, que aprontou tudo isso desde 2015, está enquadrado. Ele está comendo bem as instituições internas – Ministério Público, Receita Federal, Coaf, Polícia Federal. É arriscado, ele pode cair do cavalo a qualquer momento. Mas, enquanto não cair, está se fortecendo.

É um movimento global, há um eixo – não sei se dá para chamar de “Eixo do Mal” porque o termo foi desgastado pelo Bush – mas há um eixo Trump [presidente dos Estados Unidos], Netanyahu [primeiro-ministro de Israel], Bolsonaro que é exemplar. E o modelito dele é Órban, primeiro-ministro da Hungria. Uma das coisas prioritárias que deveríamos estudar é o Órban. Que é um modelo de montagem de um Estado mafioso, que é para onde nós vamos, uma tirania miliciana.

por Leonardo Sakamoto

Saiba mais. Leia a entrevista completa: http://bit.ly/2kDEzJw

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