Ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira

O desenvolvimento do país está atrelado ao desenvolvimento sustentável da Amazônia, com preservação da floresta e melhoria das condições de vida dos brasileiros que ali vivem. E essa Amazônia preservada é imprescindível para que o país ganhe mais importância internacional. “No século 21, o Brasil só terá relevância geopolítica se conseguir preservar a floresta”, afirma a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, que chefiou Ministério do Meio Ambiente de 2010, último ano do segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, até o último dia do segundo mandato de Dilma Rousseff, em 12 de maio de 2016.

Bióloga com mestrado em planejamento energético e doutorado em planejamento ambiental pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ), Izabella trabalha em áreas ambientais governamentais anteriores à criação do Ibama, onde se aposentou como funcionária de carreira, tendo exercido o cargo de direção.

Para a ex-ministra, a política conduzida por Jair Bolsonaro (PSL) é responsável pela grave “crise internacional”, como chamou o presidente francês Emmanuel Macron as queimadas na floresta, que até então seguiam praticamente invisíveis para o governo. “É preciso compreender a importância da Amazônia, de dimensões continentais, onde cabem diversos países europeus. O presidente precisa assumir seu papel de chefe de estado, trabalhar, mostrar os resultados e também as dificuldades. Eu conheço esse caminho todo, não é trivial resolver”, disse, em entrevista à RBA.

“Caso contrário, estará sendo de um primarismo político sem precedentes, sem domínio nem conhecimento para entender o tamanho das possíveis ciladas que a política internacional pode fazer. O mundo lá fora é muito duro. Na hora dos interesses, cada um defende o seu. Por isso é preciso ter integridade política, moral, liderança, protagonismo e ter nas mãos a preservação da Amazônia como um trunfo, para mostrar que sabemos lidar com a questão e que somos um país sério”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Qual a sua avaliação sobre a crise internacional na qual se transformou o descontrole sobre as queimadas na Amazônia?
Uma crise política absolutamente séria, que envolve a questão ambiental, que pode provocar problemas comerciais mais graves e abalar a credibilidade política do Brasil, que no mundo todo está nas manchetes dos jornais, infelizmente de forma muito negativa. O presidente da França, Emmanuel Macron, disse textualmente que Bolsonaro mentiu para ele sobre seus compromissos ambientais no encontro do G20, no Japão. É grave quando se diz que o presidente de um país amigo – há tradição de relações de amizade entre os dois países – se sente enganado pelo presidente brasileiro. E por isso não recomenda o acordo entre Mercosul e União Europeia.

Outros países, como Irlanda e Finlândia, subscrevem a decisão da França, nesse caso em relação à carne brasileira. Isso é um dos exemplos. Grandes empresas estrangeiras, multinacionais que operam no Brasil, estão consultando suas filiais sobre o que está acontecendo, porque seus acionistas querem uma posição. Isso tem uma reação em cadeia, que pode tornar-se incontrolável. E o Brasil tinha uma coisa muito importante, que era a credibilidade política. Isso foi colocado em xeque pelas declarações do atual governo.

De quem é a responsabilidade pela crise?
A responsabilidade política é do governo Bolsonaro. E seu discurso, sempre contra o meio ambiente, soa como um “liberou geral” aos ouvidos de grileiros e desmatadores. Eu digo isso lamentando, não pelo Bolsonaro, mas pelo Brasil, por que tinha todas as condições políticas, todos os fóruns de cooperação nacional mais antigos de meio ambiente. E os integrantes do governo declararam guerra a todas as pessoas da administração federal. Colocaram gente despreparada no lugar. Criou-se uma teoria da conspiração em que acham que todo mundo quer jogar contra. É preciso respeitar as pessoas, ouvir o que estão dizendo, não se pode ignorar ou demonizar. Bolsonaro tem estilo político que desqualifica os interlocutores e com isso apequena o papel do Estado. E se isola.

O que acontece agora já aconteceu outras vezes, mas o país estava com os aparatos, equipamentos, instituições, todos agindo. Com o início da seca, começava o trabalho técnico de prevenção com equipes treinadas, com o ICMBio nas áreas de conservação, com cooperações. Com mais dinheiro, se faz mais, com menos, se atende as áreas prioritárias. É preciso manter a máquina funcionando e ir fazendo os ajustes.

A floresta está como um paciente no centro cirúrgico, anestesiada, a barriga aberta, esperando a cirurgia. Mas chegam os novos médicos e mandam parar tudo, trocar os equipamentos que não servem, assim como o pessoal todo. Até que alguém vê que o paciente apaga, que parou o coração. Aí vão achar outras coisas para desqualificar, como a falta de um plano de saúde. Mas mesmo assim, não querem deixar que outros cuidem do paciente, que está morrendo. A esquizofrenia do país é essa. É bem isso que está se criando. O governo Bolsonaro, em especial na figura do seu presidente, criou essa crise séria. Todo mundo está agindo, querendo ajudar, se mobilizando. Ninguém está fazendo nada que não seja legítimo.

Como você avalia a postura do governo em relação ao meio ambiente?
As posições políticas não ajudam a compreender o que pretende fazer em relação à agenda ambiental. Ao contrário. É crítico a tudo que envolve as questões ambientais. Suas políticas são de desmonte e fragilização das instituições. E ainda coloca em xeque estruturas importantes, como o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), estratégico no monitoramento contra o desmatamento da Amazônia, e tudo o que o Brasil vem construindo desde 1988. Antes da morte de Chico Mendes, a Amazônia enfrentava queimadas, e o governo de José Sarney também negava. Mas houve grande reação com a morte de Chico Mendes.

E o governo entendeu e reordenou toda a área federal de meio ambiente, que entre outras coisas permitiu a criação do Ibama, os debates e aprovação da Lei de Agrotóxicos, a estruturação do primeiro programa de combate aos incêndios florestais, que mais tarde o Brasil passaria a exportar know how. São 30 anos de real engajamento ambiental do país independente das tendências político-partidárias, foi feito o enfrentamento ao desmatamento na Amazônia. Em 35 anos de serviço na área não vi um presidente responsabilizar ONGs pelo fogo na floresta. Não estou dizendo com isso que não haja pessoas boicotando, ou querendo incendiar. Já pegamos muitos incêndios criminosos em parques florestais. Mas um chefe de estado vir a público atribuir sem prova?! Ele não pode. Ele está atribuindo a pessoas e instituições responsabilidades que eventualmente elas não tenham.

A imprensa anunciou que haveria o chamado dia do fogo, promovido por fazendeiros, que ateariam fogo para mostrar ao presidente como querem produzir na Amazônia, que está em risco. É preciso uma estratégia de desenvolvimento que preserve a floresta. mas que também dê condições de vida para as pessoas que ali vivem. Empresas como a Natura, a Coca Cola, Michelin, investiram na Amazônia como consequência de um conhecimento científico-socioambiental desenvolvido com a participação da própria sociedade, com as populações tradicionais. Os governos receberam recursos para ali desenvolver programas de governança ambiental. O Fundo Amazônia é o reconhecimento internacional do acerto dessas políticas implementadas pelo Brasil. E o presidente declara guerra ao fundo, diz que é corrupto, que só financia ONGs, que suas cotas são falsas. Não prova absolutamente nada. Então há uma sucessão de ações que desqualificam e descredenciam tudo o que era feito até então, causando um desgaste político provocado por posturas políticas que são desse governo.

Ações que já têm consequências sérias para o país…
Se as coisas não estão tão bem assim, os medidores de desmatamento sobem e descem, o fato é que o Brasil tem políticas, metas e uma lei para o clima aprovada até 2020. O desmatamento que oscilava tem tendência de crescimento. Há uma dinâmica diferenciada de aquecimento, segundo as instituições científicas afirmam, cuja magnitude, muito maior, saiu da curva. E o que se verifica é que o Ibama não vai mais atuar, ou que terá pessoal despreparado. Nada tenho contra a PM ambiental de São Paulo, mas como vai lidar com o desmatamento da Amazônia? O governo desqualifica o tempo inteiro a estrutura ambiental. É inaceitável.

O Inpe, uma das instituições mais respeitadas no mundo, com muitos países adotando seus dados, está sendo desqualificado pelo próprio presidente da República, que quer terceirizar suas atribuições. O governo Bolsonaro jogou fora 15 anos de trabalho do Inpe, assim como a construção da credibilidade de um país, de suas instituições científicas e tecnológicas preparadas para o enfrentamento na questão amazônica. Se tiver de aperfeiçoar, que aperfeiçoe. Mas não há indicação de aperfeiçoamento. E o ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles) vem dizer que estamos no tempo seco. “Está queimando sim. São as ONGs.” É preciso parar de tratar as pessoas com deboche e ironia. Ninguém aqui é menos brasileiro do que os outros.

A verdade é que todos os grandes líderes mundiais estão muito preocupados com a Amazônia, assim como estão com os oceanos. O mundo real mostra preocupações políticas e comerciais. O Brasil é respeitado pela excelência da sua diplomacia, das empresas brasileiras, que não são picaretas. A ciência, inclusive a ambiental, é respeitada no mundo todo. Mas por meio de uma remoção ex-officio, um instrumento criado na ditadura, o ministro do Meio Ambiente transfere especialista em golfinhos para o sertão! O STF (Supremo Tribunal Federal) barrou, já que falta bom senso ao governo.

E tudo porque o especialista se manifestou contra a autorização para pesca da sardinha. Quando informações assim começam a circular, fica todo mundo preocupadíssimo. É o governo do Brasil, um dos países mais importantes do mundo, não de uma republiqueta, no qual assessores colocam Deus no meio de tudo. Pelo amor de Deus! Estamos falando de estado, não de crenças religiosas. E tem ministro (Paulo Guedes) mandando vender oxigênio. Bolsonaro é chefe de estado, representa o Brasil, os brasileiros, mesmo os que não votaram nele.

Os defensores da política do governo falam em ataque internacional contra a soberania brasileira a reação internacional. Qual a sua opinião?
A Amazônia brasileira é do Brasil. Eu não vi o presidente francês dizer que queria comprar a Amazônia. Aliás, a França tem parte da Amazônia. A Guiana Francesa, território francês, está ali do lado, é parte do bioma. Temos fronteiras pacíficas consolidadas há mais de 100 anos. Ninguém vai querer invadir. O que a comunidade internacional está dizendo é: “estamos dispostos a discutir como podemos ajudar a fazer o que a ciência recomenda”. E não dominar. O mundo tem três florestas tropicais, a Amazônia não é a única. A Alemanha tem um terço de seu território protegido, com parques funcionando. O que estão dizendo é que tem de proteger, tem de preservar.

Já aprendemos que não adianta desmatar, como desmatamos toda a Mata Atlântica durante a colonização. Também não adianta falar em abrir estradas. Foi feita a Transamazônica, arco do desmatamento está por lá e os índices de desenvolvimento humano não melhoraram. O que devíamos estar discutindo agora era como melhorar a vida das pessoas, porque o resto sabemos fazer. Mas se começar essas histerias de internacionalização e teorias do medo orientadas pela ignorância, ninguém irá a lugar algum.

O presidente não precisa plantar nenhuma árvore e dizer que gosta de natureza, porque a gente sabe que ele não gosta. Mas nem por isso pode promover o desmatamento da Amazônia. Disse o que disse no G20 e agora está sendo chamado de mentiroso. Antes tínhamos a diplomacia brasileira como aliada. Infelizmente hoje essa diplomacia está acuada, porque quem a ocupa não está à altura.

CONTINUA…

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