“Devemos conhecer os fatos para que não se repitam e nosso Judiciário seja reacreditado”
A repercussão alcançada pela Operação Lava Jato em setores expressivos da mídia conseguiu torná-la bela aos olhos de parte da sociedade por alguns anos. Mas, por trás desse sucesso alarido, seus membros atuavam de forma a corromper regras jurídicas e garantias fundamentais para alcançar alvos preestabelecidos e aqueles que ousassem defendê-las. O combate à corrupção era o lema que impulsionava a operação. Práticas jurídicas corruptas e inescrupulosas, porém, eram a realidade cotidiana.
Por isso é preciso rebater, de forma veemente, as colocações que foram veiculadas no último dia de 5 fevereiro, nesta Folha, pelos advogados de sete procuradores da República integrantes da força-tarefa (“Operação Spoofing: prova ilícita e imprestável”). Embora não substitua nem dispense a criteriosa consideração dos fatos incontroversos que já apontavam para a suspeição do ex-juiz Sergio Moro em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o material arrecadado pela Polícia Federal no bojo da Operação Spoofing, incluindo os diálogos clandestinos entre tais procuradores e também com o ex-juiz, é prova legítima para reforçar a nulidade dos processos conduzidos por tais agentes contra o ex-presidente. Os elementos se somam a tantos outros fatos que conduzem inexoravelmente a essa conclusão.
Acompanhamos a Lava Jato praticamente desde o seu início, liderando a defesa técnica do ex-presidente Lula, o principal alvo dos agentes envolvidos. Pudemos, nessa posição, ver de perto como era feito o uso estratégico do direito para fins ilegítimos —prática que denominamos, pioneiramente no país, como “lawfare”.
Já em 2016 pedimos a suspeição do então juiz Sergio Moro. Essa iniciativa, assim como todas as demais que adotamos ao longo do tempo para expor as ilegalidades da Lava Jato, foi lastreada em sólida base técnica. Nesse caso específico da suspeição de Moro, tínhamos fatos já documentados para orientar essa providência, inclusive a própria interceptação do principal ramal do nosso escritório para que a estratégia da defesa fosse acompanhada em tempo real. Não bastasse, também naquela época dispúnhamos da opinião de uma das maiores especialistas dos EUA em psiquiatria forense e formação de júri sobre a parcialidade de Moro. Desde 2018 aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal o habeas corpus que pede a anulação dos processos contra Lula onde Moro atuou, pela evidente suspeição do juiz, por sua evidente parcialidade contra o réu.
Os diálogos que agora estão sendo relevados reforçam esse antigo cenário de suspeição e de ilegalidades praticadas pela Lava Jato e mostram a olhos nus como o Estado de Direito foi corrompido. Os questionamentos levantados sobre o material e sobre o seu uso devem ser de plano descartados.
No tocante à origem, não recebemos nada de hackers. O material que acessamos é aquele que foi apreendido pela Polícia Federal na época em que era comandada pelo próprio Moro, durante a operação denominada Spoofing. E o acesso foi autorizado por decisão do ministro Ricardo Lewandowski.
Trata-se, pois, de material que está na posse do Estado, submetido ao crivo de peritos, e cujo acesso foi franqueado pelo órgão máximo do Poder Judiciário. Não há na literatura jurídica e nos precedentes de tribunais que atuam no processo penal democrático qualquer espécie de restrição do uso de provas pela defesa nessa circunstância, ainda que sua origem possa ser ilícita.
O conteúdo do material acessado é estarrecedor, e longe de atrair a incidência de qualquer proteção própria a figuras angelicais, evidencia trapaças processuais de todas as ordens e a constituição de uma verdadeira agência clandestina de perseguição contra adversários, seus advogados e até mesmo juízes. Seu uso, além de legítimo, interessa não apenas para reforçar a necessidade de serem anuladas as condenações injustas impostas a Lula, mas também para fins pedagógicos.
Estamos diante de uma oportunidade única para compreender como o “lawfare” pode levar um país à ruína, como ocorreu com o Brasil. Não podemos rejeitar os fatos, muito menos sob falsos pretextos.
Devemos conhecê-los para impedir que eles se repitam. E para que o nosso sistema de Justiça possa ser reacreditado.
Publicado na Folha de São Paulo.