Editorial assinado pelo Editorial Board, ou Conselho Editorial do jornal norte-americano The New York Times  “a apresentação de acusações criminais pelo governo brasileiro contra o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, é mais uma expressão da prática—cada vez mais comum—de matar o mensageiro e ignorar a mensagem. 

Para o jornal, “infelizmente, atacar a imprensa livre e crítica se tornou um dos alicerces da nova leva de políticos autoritários no Brasil, assim como nos EUA e no resto do mundo. 

E continua: “a prisão de Lula o” retirou da corrida presidencial, abrindo caminho para a eleição de Bolsonaro—que nomeou Moro como seu ministro da Justiça”.

Leia a íntegra do editorial:

Brasil indicia criminalmente Glenn Greenwald

Jornalista vem sofrendo reiteradas ameaças desde que revelou mensagens vazadas mostrando atividades ilegais do juiz que ajudou a pavimentar o caminho para a eleição de Bolsonaro

Pelo Conselho Editorial do New York Times

A apresentação de acusações criminais pelo governo brasileiro contra o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, é mais uma expressão da prática—cada vez mais comum—de matar o mensageiro e ignorar a mensagem.

Greenwald é mais conhecido pelo seu papel na revelação de documentos vazados por Edward Snowden, ex-empregado da Agência de Segurança Nacional, em 2013. No Brasil — para onde o jornalista se mudou há 15 anos para viver com o marido, hoje um parlamentar de oposição —Greenwal é co-fundador da versão em português do site investigativo The Intercept, que tem se tornado uma pedra no sapato do presidente Jair Bolsonaro.

Em junho passado, The Intercept Brasil iniciou a publicação de uma série de matérias baseadas em mensagens vazadas que sugerem o conluio ilegal entre procuradores e o juiz Sergio Moro, o juiz que se tornou um superstar no combate à corrupção por ter prendido vários empresários e políticos, incluindo o popular ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A prisão de Lula o retirou da corrida presidencial, abrindo caminho para a eleição de Bolsonaro—que nomeou Moro como seu ministro da Justiça. Agora, soma-se ao implícito conflito de interesses a suspeita levantada pelas mensagens hackeadas de que Moro violou a lei brasileira (segundo a qual juízes devem manter neutralidade) para ajudar Bolsonaro. Logo ele, um homem que anteriormente foi glorificado por seu ataque à renitente corrupção.

Mas o campo bolsonarista rapidamente voltou suas baterias contra Greenwald, em vez de mirar em Moro. O jornalista e seu marido, Davi Miranda, vêm sofrendo uma saraivada de ameaças de morte e ataques homofóbicos. A imprensa brasileira relata que a Polícia Federal, comandada por Sergio Moro, solicitou ao ministro da Economia que investigasse as “atividades financeiras” de Greenwald, e a polícia iniciou uma investigação sobre o hackeamento dos telefones que originou os vazamentos.

A queixa-crime de 95 páginas [contra Greenwald] divulgada na última terça-feira (21) alega que o jornalista não apenas teve acesso e escreveu sobre a as mensagens hackeadas, mas exerceu um “claro papel na facilitação do cometimento do crime”. Por exemplo, os procuradores dizem que Greenwald teria se comunicado com os hackers enquanto eles monitoravam conversas privadas em um aplicativo de mensagens por celular.

Juristas e politicos da oposição afirmam que as provas são frágeis. Uma investigação da Polícia Federal, que identificou e prendeu o hacker, já inocentou Greenwald e um ministro da Suprema Corte já decidiu que a publicação das mensagens está protegida pela Constituição Brasileira.

Glen Greenwald declara que adotou “extrema cautela” no exercício jornalístico e que “jamais esteve sequer próximo de qualquer participação” no hackeamento das mensagens. Ele também destacou que a queixa-crime está sendo apresentada pelo mesmo procurador que já havia tentado, sem sucesso, processar o president da Ordem dos Advogados do Brasil por criticas feitas a Moro.

Infelizmente, atacar a imprensa livre e crítica se tornou um dos alicerces da nova leva de políticos autoritários no Brasil, assim como nos EUA e no resto do mundo. Acusações de má conduta são desqualificadas como “fake news” ou difamação politicamente motivada e o poder de Estado se volta não contra os acusados, mas contra os repórteres.

No seu relatório de 2018 sobre Liberdade de imprensa, a organização Repórteres Sem Fronteira (RSF) alerta que um “clima de ódio e animosidade” insuflado por governantes contra jornalistas já se constitui em uma “ameaça à democracia”.

“Mais e mais governantes democraticamente eleitos deixam de encarar a imprensa como parte essencial do processo democrático, passando a vê-la como adversária a quem abertamente dirigem sua hostilidade”, afirma o relatório da RSF. Quando Bolsonaro foi eleito presidente, Repórteres Sem Fronteira o apontou como “uma grave ameaça à liberdade de imprensa no Brasil”.

O presidente Trump pode não ter causado dano à liberdade de imprensa nos EUA — as tradições e instituições norte-americanas são muito fortes para que isso aconteça — mas a incessante desqualificação de notícias que o desagradam como “fake news” e seus asquerosos ataques a repórteres como “inimigos do povo” vem fornecendo apoio e encorajamento para tipos como Bolsonaro, cujos ultrajes a repórteres são movidos tanto pelo desdém pessoal pela liberdade de imprensa quanto pelo método cínico de estimular a raiva de seus seguidores.

As reportagens de Glenn Greenwald fizeram o que a imprensa livre deve fazer: revelaram a verdade dolorosa sobre ocupantes do poder. A nódoa na imagem heroica de Moro foi obviamente um choque para os brasileiros e um prejuízo para Bolsonaro, mas exigir que defensores da lei sejam escrupulosos na sua adesão à legalidade é essencial para a democracia. Atacar o mensageiro é um grave desserviço é uma perigosa ameaça ao império da Lei.

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