Luiz Inácio da Silva, o ex-presidente Lula é mesmo síntese do seu tempo. Nascido em 27 de outubro de 1945, em Vargem Comprida, localidade de Caetés, no interior de Pernambuco – na época um distrito do município de Garanhuns – o sétimo filho de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo, a dona Lindu, só foi registrado anos mais tarde e acabou com a data de nascimento no documento diferente: 6 de outubro.

Na casa de dois cômodos e chão de terra batida no semiárido pernambucano onde Lula nasceu não tinha luz, água encanada ou banheiro. Foi com sete anos que veio de pau-de-arara para o Sudeste, cumprindo o mesmo caminho de milhares de outros brasileiros, e “despencou” para São Paulo com a mãe e os irmãos, a fim de reencontrar o pai, que havia migrado semanas antes de Lula nascer, em busca de uma vida melhor longe da seca e da miséria.

Segundo conta o irmão mais velho em entrevista, José Ferreira de Melo, o Frei Chico, responsável pela filiação do ex-presidente ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo anos mais tarde, em 1966, a dificuldade de mobilidade, a precariedade da localidade no interior de Pernambuco e da família na época faziam com que as crianças nascidas só fossem registradas de tempos em tempos.

Enquanto não tinham o documento oficial, eles usavam o que se chamava de batistério, documento que comprova a execução do sacramento do batismo católico, onde constava data de nascimento e local. Foi com este documento que as crianças da família Silva viajaram de Pernambuco para Vicente de Carvalho, no litoral de São Paulo, em 1952. A viagem de pau-de-arara durou 13 dias.

Frei Chico conta que Dona Lindú também só teve documento de identidade original pouco antes de ir para São Paulo, providenciado exatamente por conta da viagem. As crianças da família tinham somente o batistério. Foi já no estado de São Paulo que os documentos foram providenciados.

“Um dia minha mãe foi ao cartório em Santos registrar os filhos. Levou anotado todos as datas e os nomes. Mas acredito que ficou intimidada pela atitude da escrivã, que sugeriu mudar o nome da minha irmã, ali, na hora de Sebastiana para a Ruth, seu próprio nome [neste momento Frei Chico ri] em sua “homenagem”, e ela acabou se atrapalhando com tantas datas”, disse o irmão, que também tem data errada anotada em seus documentos.

Com clareza do equívoco cometido no ato do registro, Dona Lindu manteve a tradição de parabenizar o filho Lula sempre no dia 27 de outubro, ao invés do dia 6. “Não havia festa nem nada, claro. Éramos muito pobres. Mas Lula sempre considerou seu aniversário o dia original, 27, e depois de adulto passou a comemorar com os filhos na data correta”, diz. “Foi só depois de ter nossos próprios filhos que aniversário passou a ter algum tipo de comemoração, festa.”, explica.

Com família grande, o ex-presidente Lula acostumou-se a ter filhos, noras e netos reunidos em pequenas comemorações caseiras com a presença de bons e poucos amigos. Já presidente, no Palácio da Alvorada, a residência oficial, festas foram organizadas pela sua família e equipe, sempre no dia 27 de outubro.

A militância costuma comemorar e parabenizar Lula nas duas datas. Este ano não será diferente, a começar com deste domingo, 6, com manifestações na Vigília, mas assim como a família, os admiradores do ex-presidente também concentram esforços para o dia 27 de outubro e torcem para que a festa seja com a presença do aniversariante.

Síntese do Brasil

A migração nordestina para o Sudeste do país, em especial para São Paulo, foi um fenômeno demográfico bastante relevante principalmente a partir da década de 1930 (durante a Era Vargas), quando o número de migrantes nacionais superou o de imigrantes vindos de outros países, tornando essa migração muito intensa até meados dos anos 80.

Estima-se que quase 10 milhões de nordestinos migraram para o Sudeste até o fim da década de 90. Lula era um deles. E assim como 132 mil crianças de zero a 10 anos atualmente, segundo censo do IBGE de 2016, ele não foi registrado assim que nasceu.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD-IBGE/2016), a desigualdade socioeconômica do país é a principal causa da falta de registro, seja pela distância dos cartórios, ausência destes órgãos em alguns municípios, custo de traslado.

Duas ações do governo federal foram implementadas em 2010 e em 2014, durante as gestão Lula e Dilma, com o objetivo de ampliar as possibilidades de erradicação do atraso ou falta de registros de nascimento pelos municípios.

A primeira, via Provimento 13 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), possibilitou a emissão da certidão de nascimento nos estabelecimentos de saúde que realizam partos, conectando-os virtualmente aos cartórios locais.

A segunda, por meio do Provimento 38, do CNJ, instituiu a Central de Informações de Registro Civil, sistema que interliga todos cartórios de registro civil do país, possibilitando, dentre outros serviços, a ágil emissão da certidão de nascimento nos hospitais. Desde então, milhões de registros de nascimento já foram realizados dentro das próprias maternidades.