MAB denuncia tese da “crise hídrica” para justificar aumento da conta de luz e manter lucros
O setor elétrico tem justificado os sucessivos aumentos na conta de energia com a chamada crise hídrica, tentando atribuir a responsabilidade dos tarifaços a São Pedro. Enquanto isso, especialistas questionam as estatísticas usadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e apontam outros fatores que elevam o custo da energia no Brasil, como a privatização do setor energético, alta lucratividade para os acionistas, subsídios para o agronegócio e mineração e aumentos abusivos justificados pelo discurso da seca.
Essa nova alta de preços vai causar uma onda de falências de pequenos negócios, como padarias, aumentando ainda mais o desemprego, que já bate na casa dos 15%. Os alertas foram feitos por Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
“Temos uma crise energética, devido à política energética nacional. Falar em crise hídrica sugere que não há responsáveis, quando na verdade o que temos é uma política energética que entrega o que é público a grandes empresas”, aponta Cervinski.
“Estamos fazendo um chamamento à luta”, clama o dirigente. “A água e a energia não podem ser propriedade da burguesia, é um escândalo o que estão fazendo com o sistema elétrico brasileiro!”, dispara. Ele resume: “Custa barato produzir e caro pagar. O preço da energia é um roubo de tão caro!”, arremata.
Vicente Andreu, estatístico pela Unicamp e ex-presidente da Agência Nacional das Águas (ANA), alega que os dados usados não são confirmados pelos institutos de clima e meteorologia do país. “Afirmar que esta é a pior seca do país em 91 anos é falsificação estatística. O que existe é uma operação intencional que produz artificialmente essa situação de escassez de água nos reservatórios”, afirmou o especialista.
Entenda melhor os fatores que fazem sua energia aumentar:
1 – Privatizações do setor elétrico
No final dos anos 90, o governo brasileiro promoveu uma grande reforma liberal no setor elétrico com a privatização de importantes companhias do segmento. Hoje, cerca de 60% dos ativos de energia elétrica no Brasil já foram vendidos. 82% da distribuição de energia já é operada por empresas privadas e 40% das linhas de transmissão são privadas. O argumento no início das privatizações era de que elas tornariam o setor mais “competitivo” e eficiente, barateando as tarifas.
O resultado dessa operação, porém, foi oposto do prometido para a população. Na prática, quando empresas privadas começaram a vender energia a preços de mercado para as distribuidoras, houve sucessivos aumentos acima da inflação na tarifa final de luz.
Além disso, a iniciativa privada pouco investiu no setor. Durante as duas décadas desse modelo mercantil, houve três grandes crises de oferta de energia com apagões em 2001, 2015 e 2021, obrigando o governo a continuar a financiar a expansão do sistema elétrico com recursos públicos.
No cenário atual, com mais privatização, a expectativa é de mais aumentos na conta de energia. Com a venda da Eletrobras, que foi aprovada pelo Congresso Nacional no último mês de junho, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) estima um custo adicional de R$ 400 bilhões aos consumidores ao longo dos próximos 30 anos.
A previsão é feita a partir da constatação de que as companhias privadas praticam preços mais caros do que as companhias estatais que já tiveram os custos da construção das suas usinas amortizados (financiados com dinheiro público). A Eletrobras, por exemplo, hoje vende 1.000 kWh de energia por R$ 65 para as distribuidoras, enquanto companhias privadas vendem os mesmos 1.000kwh por cerca de R$ 300, de acordo com notas técnicas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
2 – Alta lucratividade para os acionistas
Os elevados preços que são cobrados dos consumidores brasileiros na conta de energia financiam a altíssima rentabilidade das companhias do setor elétrico. De acordo com Gilberto Cervinski, os 15 grupos que são proprietários das usinas, linhas de transmissão e distribuição de energia no Brasil tiveram um lucro líquido de R$ 85,6 bilhões entre os anos 2015 e 2019.
Mesmo durante a crise do Covid-19, o setor segue maximizando os lucros dos acionistas, conforme explica Gustavo Teixeira, economista e assessor do Coletivo Nacional dos Eletricitários. “Em 2020, as empresas do setor distribuíram R$ 14 bilhões em dividendos. Ou seja, mesmo em um momento de crise, a energia cara transfere renda de brasileiros, sobretudo dos mais pobres, para sócios de multinacionais, grandes investidores institucionais”, declarou Teixeira durante audiência pública sobre o preço da energia, que aconteceu na Câmara dos Deputados neste mês. No último ano, o setor elétrico foi o segundo mais lucrativo do país, perdendo apenas para os bancos.
3 – Subsídios para setores como o agronegócio e a mineração
Um importante componente da conta de energia são os “encargos”, nos quais se inserem não apenas os tributos, mas também os subsídios que governo oferece para alguns setores da sociedade. A questão é que, ao contrário do que se pode imaginar, a maior parte destes subsídios não são dedicados à população de baixa renda e sim aos chamados “setores estratégicos”. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), 38% dos subsídios de energia são destinados a atividades rurais e de irrigação, o que contempla especialmente o agronegócio. Isso quer dizer que a população banca, através da conta de luz, parte dos custos das grandes corporações internacionais que atuam no setor agrícola.
Outro setor que também é beneficiado com os subsídios é o da mineração, que exporta produtos de baixo valor agregado, como ferro e alumínio, e deixa um rastro de destruição nos territórios de onde extrai riquezas.
4 – Aumentos abusivos legitimados pelo discurso da seca
Na verdade a atual crise hídrica está localizada na Bacia do Rio Paraná, que, de fato, é muito importante para o setor elétrico. Segundo o estatístico, porém, a situação dos reservatórios das usinas hidrelétricas chega ao limite porque outras matrizes de energia (como a térmica ou a eólica) não foram ativadas antes de se chegar ao cenário extremo que estamos vivendo nas usinas.
“Essa situação acontece justamente porque os reservatórios esvaziados justificam uma explosão da tarifa com a bandeira vermelha, o que garante lucros muito interessante para o setor”, afirma Vicente Andreu.
Com informações do MAB.