Diretoria do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, criado por Márcio Thomaz Bastos, se posiciona sobre a Lava Jato e seus inquéritos eivados de ilegalidade

O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da parcialidade do então juiz Sergio Moro tornou histórico o último dia 23 de março. Na data, muitos se valeram desse adjetivo tendo em mente os envolvidos —um ex-presidente e um magistrado nacionalmente identificado com o combate à corrupção. Para nós, advogados e advogadas, a decisão entra para a história por sua importância ao direito brasileiro, já que nela foram restabelecidas algumas de suas principais balizas.

O resultado restaura a confiança no devido processo legal, que só subsiste quando um acusado é julgado por um magistrado imparcial. Naquele julgamento também alguns ministros sinalizaram o entendimento de que provas obtidas ilegalmente somente se aproveitam em favor do réu, sendo imprestáveis, contudo, em seu prejuízo. Em síntese, a mais alta corte do país sepultou de vez a máxima de que “os fins justificam os meios”, e a Lava Jato vai se tornando um caso paradigmático de como ilegalidades cometidas por agentes públicos contaminam e inutilizam a matéria-prima da qual se poderia extrair a Justiça.

Mas o início de 2021 reservava a integrantes da célebre operação uma sequência curiosa de ironias. Os mesmos procuradores que tanto desprezaram garantias dos investigados, chegando a apresentar projeto de lei em que se propunha, dentre outras medidas, flexibilizar a utilização de provas ilícitas e restringir o uso do habeas corpus, tornaram-se objeto de uma questionável investigação. Baseado apenas em mensagens de aplicativos obtidas ilegalmente por hackers, o Superior Tribunal de Justiça instaurou de ofício um inquérito que visa a apurar a conduta dos integrantes da força-tarefa, flagrados em conversas nada ortodoxas apreendidas no bojo de outra operação, a Spoofing.

É interessante, mas, após provarem de seu próprio veneno, Deltan Dallagnol e sua turma agora buscam a cura justamente no mesmo remédio que um dia pretenderam exterminar: o habeas corpus. Nele, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) pede ao STF o trancamento do inquérito, relembrando teses de diversos réus na Lava Jato.

Os argumentos têm forte sabor de garantismo, como a ilicitude das provas obtidas clandestinamente contra os procuradores e a violação do sistema acusatório, já que somente o procurador-geral da República poderia pedir para investigá-los. Diante de boatos de que seriam alvo de busca e apreensão —medida reiteradamente utilizada contra seus investigados—, os procuradores obtiveram liminar concedida pela ministra Rosa Weber para suspender as investigações. Mais uma zombaria do destino!

A Lava Jato é a crônica de uma tragédia anunciada. Não para seus réus, tampouco para a corrupção no Brasil, mas para a possibilidade de se fazer justiça. Inquéritos eivados de ilegalidades, como é este instaurado pelo STJ, sempre ameaçam a confiabilidade na Justiça e em suas instituições. É o que temos afirmado desde o início. Os procuradores da força-tarefa de Curitiba agora o sabem por experiência própria.