Movimentos denunciam aumento da tensão no campo com aprovação da MP da Grilagem
A Medida Provisória 910, conhecida como a MP da grilagem ou da Regularização Fundiária, que pretende legalizar, até 2022, cerca de 600 mil imóveis rurais, pode entrar em votação na Câmara Federal esta semana, após articulação do relator do processo, Zé Silva (SD-MG), com o presidente da casa, Rodrigo Maia.
Com vencimento previsto para o dia 19 deste mês, a medida é alvo de intenso lobby da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a bancada ruralista, que corre para tentar aprovar o texto. Caso a proposta não seja votada e aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado até essa data, poderá caducar.
Com o objetivo de fomentar a reflexão sobre a proposta e as possíveis consequências para o país, a série de debates online “Direitos Humanos em Foco”, produzida pela Terra de Direitos, trouxe o tema “Os Riscos da Medida Provisória da Grilagem (MP 910)”, nesta segunda-feira (11), com a mediação de Maíra Moreira, assessora jurídica da organização, e participação da Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Deborah Duprat, e Acácio Briozo da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA).
Para a Terra de Direitos, assim como outros especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a MP, assinada por Jair Bolsonaro (sem partido) em dezembro do ano passado, tem como “pretexto” promover a regularização fundiária de áreas da União não tituladas, mas “revela uma tentativa de regularizar terras públicas griladas”.
A MP reabre um debate que está colocado historicamente em relação à regularização fundiária, antes restrita ao território da Amazônia legal, e atualiza esse debate trazendo, não necessariamente melhorias, de uma politica que já era extremamente problemática nas suas capacidades fiscalizatórias e também na possibilidade de que com ela se beneficiem aquelas que não cultivam. Mas também que abre, mais uma vez a partir de uma MP, a possibilidade de que as terras da união e do Incra, sejam novamente colocadas em risco, tanto de perda de patrimônio público, mas também em risco as populações tradicionais que hoje estão nesse território.
A procuradora Deborah Duprat aponta que a MP da grilagem é “inconstitucional” por descumprir princípios como o republicano, de promoção da igualdade social e pluralidade dos modos de vida no campo e que há dados das regularizações fundiárias dos últimos anos no Brasil, que exemplificam os possíveis impactos da proposta, que, segundo ela, pode transferir cerca de 60 a 65 milhões de hectares de terras públicas para o uso privado.
Analisando a lei de regularização fundiária de 2017, a perda projetada, considerando o valor abaixo de mercado, era de R$ 32 bilhões. Isso em 2018 correspondia a 7% do PIB brasileiro. Nós estamos falando no quantitativo de terras passivo de regularização da ordem de 19 milhões de hectares. Se em 19 milhões não temos o comprometimento de 7% do [Produto Interno Bruto] PIB, imagina com 65 milhões de hectares. É preciso saber porque está se abrindo mão de tanto dinheiro público, numa época, inclusive, que a pandemia da covid-19 mostra a importância e a necessidade do dinheiro publico.
Entre os números apresentados está a análise da prestação de contas do Programa Terra Legal, implementado em 2009 para a regularização de áreas públicas na Amazônia Legal, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que, segundo a promotora, confirma que a aprovação da MP pode gerar impactos em todas as áreas do país.
O Ministério Público Federal (MPF) chegou a emitir duas notas técnicas apontando as irregularidades e os problemas de constitucionalidade verificados na MP da Grilagem.
“Há impactos de toda a ordem, o TCU avaliou impactos ambientais, econômicos, fragilidade de bancos de dados, nós estamos em um cenário em que é possível de uma hora para outra, num momento de emergência de saúde, se transferir de maneira absolutamente irresponsável para o uso privado um estoque de 65 milhões [de hectares], aproximadamente, de terras públicas”, expressou a procuradora.
Acácio Briozo da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) ressalta que a própria medida revela os “argumentos falaciosos” do governo de que a lei vem para “proteger” os pequenos agricultores e o meio ambiente, visto que a MP tem pontos como a liberação da regularização para quem desmatou até 2018, dispensa de vistoria das terras por órgãos do governo – medida já considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na MP de 2019, dispensa licitação das terras pública e legitimação dos confrontantes, caso haja disputa pela terra.
Basta lembrar que antes na legislação anterior estava previsto para o Estado brasileiro resolver esses problemas. Hoje o Estado brasileiro esta colocando na mãos dos particulares, bom ‘resolvam-se aí’. Isso é algo completamente antidemocrático, no sentido de que o acesso no Brasil sob serviços públicos é extremamente desigual.
Entre as consequências indiretas destacas por ele estão a entrega de terras das populações tradicionais, aumento das emissões de carbono com as queimadas utilizadas pelos grileiros como prática usual de cultivo, e o impacto no Sistema Único de Saúde (SUS), devido às doenças respiratórias provocadas pela fumaça das queimadas.
Para o especialista na questão agrária o que está em jogo com a MP 910 é o modelo de desenvolvimento do país.
“Se a gente quer ser uma economia dependente e subdesenvolvida, o caminho é a medida provisória. Se a gente quer um país democrático, dar força para um novo modelo de desenvolvimento, nós temos que barrar essa MP. E como a gente faz para barrar? Essa MP caduca dia 19, então nós temos que trabalhar o máximo possível, pressão nos parlamentares. Todo mudo agora é um ativista virtual”, convoca Briozo.
Publicado originalmente no Brasil de Fato.