O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu, nesta quinta-feira (17), pedido de habeas corpus (HC) da liderança sem-teto Ednalva Franco. Ela era a única militante de movimentos de moradia da região central da capital paulista que ainda estava presa. “Não havia qualquer razão para a manutenção da prisão de Edinalva. A liberdade concedida hoje é um bom indicativo da inocência dela. As prisões foram feitas sob acusação de estar ameaçando testemunhas, mas ficou demonstrado que isso não estava acontecendo, que as ocupações seguem funcionando, os moradores seguem suas rotinas”, explicou a advogada de Ednalva, Vivian Mendes. A expectativa é que a militante saia da prisão ainda hoje.

Para ela, o processo está pautado apenas na criminalização dos movimentos de moradia e ao longo da instrução será demonstrada a inocência de Edinalva. A advogada, porém, avalia que a ação judicial terá um trâmite longo. “As prisões foram decretadas ainda na fase de investigação da Polícia Civil. Então, ainda estamos no início do processo. Mas nós vamos provar a inocência dela. As acusações relatam situações que não são criminosas e sim fruto de desentendimento sobre o funcionamento das ocupações”, afirmou Vivian.

Ednalva foi presa no mesmo dia que Sidnei Ferreira, Janice Ferreira (a Preta) e Angélica dos Santos Lima, acusados de extorsão e agressão no âmbito das investigações decorridas após o desabamento do edifício Wilton Paes Santos, no Largo do Paissandu, em maio de 2018. O prédio era ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e abrigava 150 famílias. Nenhuma das lideranças detidas, no entanto, tinha qualquer relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados pelos movimentos de moradia prestaram auxílio às famílias desabrigadas.

Os sem-teto companheiros de Ednalva já foram libertados. Angélica teve liberdade concedida em setembro, enquanto Preta e Sidnei só deixaram a prisão na última semana. Outros militantes que tinham pedidos de prisão preventiva emitidos também receberam habeas corpus, como a coordenadora da Frente de Luta por Moradia (FLM), Carmem Ferreira da Silva. Eles ainda precisam cumprir medidas restritivas, não podendo entrar nas ocupações ou se relacionar com outros investigados ou testemunhas. A denúncia contra as lideranças sem-teto repete, em parte, acusações e testemunhas de outro processo, que acabou com a absolvição de Carmem.

Os defensores dos sem-teto já haviam pedido extensão da ordem de liberdade para Ednalva, mas a Justiça postergou o julgamento para esta quinta. Para Vivian, as acusações contra a militante são falsas e atendem a interesses políticos com intuito de criminalizar os movimentos sociais. “Ednalva sequer faz parte do grupo que ocupava aquele prédio no Paissandu. Ela é liderança de uma outra ocupação, que fica próxima do local. No dia do incêndio e do desabamento e nos dias seguintes, ela ajudou as famílias que moravam no prédio”, explicou a advogada de defesa.

O coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP) Raimundo Bonfim considera que as concessões de habeas corpus comprovam a arbitrariedade das prisões. “Aos poucos, vai ficando demonstrado que se trata de uma criminalização dos movimentos sociais e suas lideranças, assim como é o processo contra o ex-presidente Lula. Acusações sem provas, com o intuito de enfraquecer a atuação dos lutadores e militantes da esquerda democrática”, disse.

Longa luta
Além das inúmeras mobilizações dos movimentos de moradia contra a criminalização e a perseguição de lideranças, grupos de defesa dos direitos humanos também têm denunciado a arbitrariedade dos processos. Integrantes da missão emergencial organizada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca) em São Paulo afirmam que a prisão de Preta e Sidnei se deu unicamente com o objetivo de pressionar Carmem, que é mãe deles. “É evidente que eles foram presos por serem filhos dela, que é uma liderança fundamental do movimento social”, afirmou a coordenadora da Plataforma Dhesca, Denise Carreira.

Para a relatora da missão, Lúcia Maria Morais, as prisões das lideranças sem-teto foram realizadas de forma arbitrária e ilegal. “Elas foram detidas com violência. E depois prenderam o Sidnei em casa, logo depois de ele deixar a filha na escola. Disseram que ele ia prestar um depoimento e só anunciaram a prisão na sede do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). O objetivo dessas prisões não é simplesmente encarcerar as pessoas, mas intimidar, acabar com os movimentos sociais”, afirmou Lúcia.

As conclusões da missão serão encaminhadas às Comissões de Direitos Humanos dos poderes legislativos municipal, estadual e federal, bem como aos Ministérios Públicos Estadual e Federal. O documento também será encaminhado a organismos internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU).

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