“O que o PT tem que entender é que essas pessoas estão na periferia, oferecendo às pessoas pobres uma saída espiritual. As pessoas estão ilhadas na periferia, sem receber a figura do Estado. E recebem quem? De um lado, o traficante. De outro lado, a Igreja Evangélica, a Igreja Católica.”

A avaliação é do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista exclusiva concedida ao UOL na sede do Partido dos Trabalhadores, em São Paulo, para falar das perspectivas políticas para 2020, do PT e das eleições municipais.

Lula conta que, diante da falta de opções na TV aberta, sua companheira de cela nos 580 dias em que permaneceu preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, ele assistia aos cultos religiosos. E disse que há o que aprender com a ação das igrejas.

“E eles estão entrando na periferia, porque o povo, quando está desempregado e necessitado, a fé dele aumenta. Essa fé, do povo brasileiro, é muito grande e nós temos que respeitar. E ao invés de sermos do contra, temos que saber como é que a gente lida com esse novo modo de pensar do povo brasileiro. Inclusive de pensar a religião”, afirma.

Lula confirma que o seu partido vai lançar candidato próprio na capital paulista e que não será Fernando Haddad, conforme já havia sido adiantado pelo UOL. “É um quadro muito importante, tem uma tarefa nacional e internacional para o PT. Acho que está correto em não querer ser candidato”, explica. Cita o vereador Eduardo Suplicy como alguém que pode surpreender, mas também outros pré-candidatos.

Também afirma que o PT deve lançar Marília Arraes à Prefeitura de Recife, deixando o apoio ao PSB em caso de segundo turno. “Isso vale para Fortaleza, João Pessoa, Natal, Salvador”, diz.

O ex-presidente diz ainda que o partido é favorável a alianças, e pode realiza-las em primeiro turno nos locais em que houver aliados bem colocados na disputa. Mas não pode “truncar” a militância que quer ter candidato próprio.

Lula defendeu que avaliar um mandato por apenas um ano de governo é pouco e que um presidente pode se recuperar nos anos seguintes. Diz que Jair Bolsonaro ainda tem “gordura para queimar”.

“Mesmo quem votou contra o Bolsonaro tem que saber o seguinte: ele é presidente. Eu vou ficar sentado na cadeira, dizendo que ele não presta e torcendo para que dê tudo errado? Não. Ele tem a obrigação de governar pensando no bem, no ser humano, no mais pobre, no país, na nossa soberania, nos nossos estudantes, no nosso povo trabalhador… E parar de falar bobagem!”, afirmou. Bolsonaro, segundo Lula, tem que parar de ficar dando recado para o seu “clube” e governar para todos.

Questionado sobre os ataques do presidente à imprensa, Lula afirmou que “tem crítica que ele faz que é correta”. Em sua visão, não é dado ao presidente o mesmo direito para falar que é conferido a outras pessoas e compara o que acontece com o mandatário com sua própria experiência. Ambos são críticos contumazes à Rede Globo.

Aproveitou também para criticar o ministro da Economia Paulo Guedes. “Estou vendo o Guedes anunciar que vai abrir as compras governamentais para as empresas estrangeiras. Você tem noção do que significa isso? Capacidade zero do Estado propor ou ter influência na elaboração de políticas públicas de indução do crescimento econômico.”

Lula afirma que PT precisa estar presente e entender o que acontece nas periferias hoje

UOL – O PT era muito próximo dos movimentos católicos na época de sua fundação. Houve uma grande mudança do Brasil, nesses 40 anos, com um crescimento do eleitorado evangélico. Por outro lado, cada vez mais o emprego informal dá às cartas – e o senhor foi dirigente do meio metalúrgico, com carteira assinada. Essas mudanças dificultaram a ação do PT? O PT consegue conversar com essa nova massa?

Lula – Acho que são duas coisas distintas. Quando o PT foi criado, era o auge da Teologia da Libertação. Não que a cúpula da igreja tivesse qualquer afinidade com o PT, porque nunca teve. Nem Dom Paulo Evaristo Arns, que era o símbolo maior da igreja naquela época, se manifestava favoravelmente ao PT. Ele se manifestava pelos direitos humanos, pela democracia. Aonde que o PT crescia? Onde tinha padre, trabalho de comunidade de base. E também crescia em setores que tinha evangélicos progressistas. O PT sempre teve uma participação no povo evangélico progressista, que era minoritário, como é agora.

O que difere é que, em 1980, a Volkswagen tinha quase 44 mil trabalhadores e, hoje, tem 9 mil. Os trabalhadores originários de onde o PT foi formado estão diminutos. Você tem trabalhadores em outras atividades da economia — fazendo entrega de comida, no Uber, em serviços de microempreendedores. Está muito difusa a organização da classe trabalhadora e é inclusive difícil para o movimento sindical se situar.

Antes você ia na porta de uma fábrica e fazia uma assembleia para 10 mil pessoas, hoje tem 500, 400… Aonde foram as outras? Essa gente está por aí, fazendo bico, trabalhando por conta, no comércio, não está dentro de uma fábrica. Está mais difícil organizar, conversar com os trabalhadores, como a gente conversava. O movimento sindical está repensando isso, inclusive o discurso não é mais o mesmo, as aspirações não são mais as mesmas.

Há pessoas trabalhando no Uber e elas são tratadas como microempreendedores. Elas vão descobrir, daqui a um tempo, que precisam ter direitos para poder ter garantia na prestação de serviço. O cidadão, se bateu o carro e se machucar, vai ter seguro-acidente, vai ter previdência, a empresa vai pagar alguma coisa para ele. Ou ele vai deixar de trabalhar e ficar sem receber absolutamente nada? Nós já vivemos isso na década de 50 e 60: quantas milhares de mulheres trabalhavam em casa, costurando, e nós brigamos para que fossem contratadas, que tivessem carteira assinada, que tivessem direitos. Agora, estamos outra vez vendo os trabalhadores trabalharem sem direitos.

No mundo, de 2008, para cá, tivemos 165 países que fizeram reformas trabalhistas e todas para piorar e tirar direitos. Tudo aquilo que foi conquista depois da revolução de 1917 ou da Segunda Guerra Mundial, os trabalhadores estão perdendo – com raríssimas exceções, como a Alemanha. Mas você percebe que, mesmo na Europa, aumentou a concentração absurda da renda dos mais ricos e a massa salarial caiu. Hoje, nos Estados Unidos, você percebe que tem estado em que é quase proibido sindicalizar.

Tenho dito que o PT precisa voltar para a periferia para aprender a conviver com esse movimento. O que é a Igreja Pentecostal, hoje, no Brasil? O que eles representam? Já são 30% ou 35% da população religiosa. No começo do século passado, era praticamente zero. E o pentecostal da prosperidade têm uma linguagem fácil para conversar com o povo. Porque você tem, de um lado, o autor de todos os problemas, que é o diabo, e a solução toda, que é Deus. E se não tiver solução, o cara é culpado porque não tem fé.

Eu assisti, na cadeia, a muito culto, muita gente rezando. E eles estão entrando na periferia, porque o povo, quando está desempregado e necessitado, a fé dele aumenta. Eu sou do tempo que a minha mãe colocava um copinho de água em cima da televisão para ver a Ave Maria das seis horas. Essa fé, do povo brasileiro, é muito grande e nós temos que respeitar. E ao invés de sermos do contra, temos que saber como é que a gente lida com esse novo modo de pensar do povo brasileiro. Inclusive de pensar a religião.

O que apreendeu assistindo aos pastores evangélicos na TV? Acha que o PT deixou de lado os evangélicos?

O PT tem muita gente evangélica. A Marina Silva [hoje na Rede] é evangélica, embora ela tenha começado a sua formação dentro de um convento católico, ela virou evangélica e era uma pessoa ligada à igreja evangélica no meu governo. A Benedita da Silva é um símbolo de uma figura petista evangélica. O Walter Pinheiro, que foi senador pelo PT da Bahia, era evangélico e uma figura muito atuante na igreja. Muita gente na periferia, que é do PT, é evangélica.

Acho que o papel do Estado é ser laico, não ter uma posição religiosa. Mas o que o PT tem que entender é que essas pessoas estão na periferia, oferecendo às pessoas pobres uma saída espiritual, uma saída que mistura a fé, com o desemprego, com a economia.

As pessoas estão ilhadas na periferia, sem receber a figura do Estado. E recebem quem? De um lado, o traficante que está na periferia. De outro lado, a Igreja Evangélica, a Igreja Católica, que também tem uma atuação forte ainda.

Não assistia apenas a culto evangélico, mas também católico. Na cadeia, você tem pouca coisa para fazer…

O PT quando surgiu tinha o lema “terra, trabalho e liberdade”. Esse lema pode ser refundado agora que o PT chegou aos 40 anos?

Esse tema continua em vigor. É atualíssimo em qualquer país da América Latina. Precisamos de terra no campo e na cidade; precisamos de liberdade em todo o território nacional, em todas as casas, em todos os sindicatos; e trabalho, que é o que mais estamos precisando neste instante. Porque é através do trabalho, através do salário recebido pelo trabalho, quando o salário é justo, é que o trabalhador consegue estabelecer uma certa dignidade no tratamento com a família.

Quando foi candidato a governador de São Paulo, em 1982, o senhor tinha 36 anos. Hoje, acredito que seja um pouco difícil identificar quais as lideranças jovens do PT. Quem seriam essas novas figuras? Qual seria essa renovação do PT?

Primeiro, tem muita gente nova no PT. Eu poderia pegar um jovem, que é uma figura pública muito conhecida, que é o Lindberg Farias, que tem 40 anos de idade [na verdade, o ex-senador tem 50]. Você não consegue fazer uma pessoa de 20 anos virar uma liderança, uma liderança leva um tempo. É como jogador de bola: para fazer o Vinícius [Júnior, jogador de futebol] virar um craque do Real Madrid, ele tem que ir antes para lá, ficar no time B, treinar muito, jogar. Depois de um tempo, vai virar titular, vai fazer como Casemiro está fazendo. Vai virar o bom. Mas leva um tempo.

O PT tem um núcleo de Juventude, tem secretaria de Juventude, nós temos o companheiro [Ronald] Sorriso, do Rio de Janeiro,

[secretário nacional da juventude do PT]

que representa o movimento negro dentro do PT e que é uma liderança da juventude brasileira. O PT é um partido que tem cotas, então tem que ter dirigente da juventude, dirigente mulher, dirigente negro… Isso é estatutário. As pessoas existem e essas pessoas vão crescendo e alçando notabilidade com o tempo.

Você não consegue pegar um cidadão de 18 anos e falar “vai ser uma liderança política”. Só quem está tentando fazer isso é o presidente da Ambev, que manda jovem para Harvard para ver se forma liderança. Mas não é assim que se forma liderança.

Você pode formar um engenheiro, um cara com alto grau de conhecimento específico sobre um tema. Pode formar um grande jornalista, um grande economista. Agora, você não pega um dirigente num banco da universidade. Pega ele pela capacidade intuitiva que ele tenha, pela capacidade de formulação que ele tenha, pela capacidade de contato que ele tenha com as pessoas. E o PT está formando essas pessoas.

O senhor citou a questão da preparação, falando do empresário Jorge Paulo Lemann. No Congresso, há nomes como o da Tabata Amaral. Na direita, há muitos nomes jovens, com atuação nas redes sociais. O PT já está bem representado assim, pensando em bancada?

Temos uma decisão que tem que ter um percentual de candidatos jovens, homens e mulheres. É preciso você burilar e eleger essas pessoas. No caso do PT, as pessoas têm que participar em organização e movimento social. Não é a Ambev que vai eleger alguém no PT, não é o Lemann, é o cidadão que tem que saber que, para ser eleito, ele tem que construir núcleo de jovem, tem que ir para a periferia, ir para a universidade, ir para a porta da escola, para o local de trabalho, tentar arregimentar essa juventude para participar de política.

Nós tivemos um afastamento de juventude da política, porque tudo foi jogado contra a sua participação. Eu não quero dizer que o deputado não é um líder, mas o fato de alguém ser deputado não significa que essa pessoa tem uma liderança na juventude. No máximo, essa pessoa pode ter uma representação na rede social, o que não testa uma liderança, que é algo mais do que ter uma quantidade de votos. É ter posições coerentes, é ter política de convencimento, ter poder de decisão.

Na ocasião do impeachment do Collor, você criou jovens, como a direção da UNE, liderada pelo Lindberg. Eram meninos que iam pra rua, que faziam movimento, que convocavam ato, que ia para a praça, ia para São Paulo, para a Bahia, para Brasília. Aí você vai formando um líder.

Uma liderança do PT, Fernando Haddad, teve um desempenho bom na última eleição, disputou com Bolsonaro no segundo turno, se consolidou. E segue sendo uma opção como candidatura do PT à Presidência. Mas o atual presidente, Jair Bolsonaro, insiste em atacar o senhor em vez do provável adversário dele. Por quê?

Poderia perguntar para eles, poderia perguntar por que o Moro, por que a força-tarefa da Lava Jato mentiram nos processos contra mim e continuam mentindo. Você poderia perguntar por que fui enquadrado na Ficha Limpa para deixar de ser candidato a presidente da República.

Essa gente não compreende que tenho uma relação com o povo que não é eleitoral, mas é histórica. Não tem nada que aconteceu nesse país de 1980 para cá que eu não tenha participado, seja na fundação do PT, seja na fundação da CUT [Central Única dos Trabalhadores], seja nos sem-terra, seja na fundação de outros movimentos populares, seja nas eleições para presidente, governador, prefeito, participei de todas até agora.

É uma relação de 40 anos de militância política, viajando todo o território nacional, conversando, trabalhando com índios, negros, mulheres, com religiosos, com portador de hanseníase. Trabalhando com aquele setor que se organizava para lutar. É uma luta muito longa e essa gente deve ficar assustada.

Tem político que recebe uma denúncia na capa de uma revista, a primeira coisa que ele faz é desaparecer. Tenho mais de 100 capas de revista contra mim, tenho milhares de primeiras páginas de jornais contra mim, horas de Jornal Nacional, de Bom Dia Brasil, de Bandeirantes, de SBT contra mim. E por que eles não conseguem acabar comigo? É porque tenho um enraizamento, uma ligação muito forte com o povo. O sucesso do meu governo não foi mérito meu, foi a crença e a disposição do povo de me ajudar a governar e acreditar.

Então, estou muito certo que as lideranças que nós temos, como o Haddad, como as que estão em outros partidos políticos, vão continuar fazendo o trabalho, vão crescer, vão se colocar na ordem do dia daqui para frente. E eu acho que naquilo que eu puder ajudar, naquilo que eu puder influir, pode ficar certo que vou influir. Obviamente que se eu não tivesse nenhuma importância no mundo político brasileiro, certamente o Bolsonaro estaria falando de outra coisa. Ele sabe porque ele fala de mim, ele sabe.

Quais são as novas ideias para o Brasil sobre as quais refletiu enquanto esteve preso? Quais são as novas propostas? A gente conhece as suas propostas tradicionais. Mais quais as novas neste período pós-Curitiba?

Uma vez perguntaram para o Jô Soares se ele repensaria alguma coisa. Ele respondeu que pensar já é difícil, repensar então é quase que impossível. Vou te dizer algumas ideias novas que ainda estão valendo hoje e, quem sabe, com ainda mais força do que no tempo em que ganhei as eleições.

Nesse país, se habituava a escrever que era incompatível ter o crescimento da economia brasileira, combinando o crescimento do mercado interno com o externo. Quando você crescia exportação, diminuía o consumo interno, quando você aumentava o consumo interno, diminuía a exportação. Nós provamos que era possível crescer o mercado interno e o mercado externo. É por isso que nós saímos de apenas US$ 100 bilhões de comércio exterior para quase US$ 500 bilhões no meu governo.

Nós provamos também que era possível aumentar o salário mínimo sem aumentar a inflação. Tinha uma discussão maluca de que primeiro tem que crescer para distribuir. Provamos que era possível crescer e distribuir concomitantemente. Novas propostas é fazer com perfeição o que todo mundo sabe que precisa ser feito.

O senhor nos entregou essa cartilha com propostas. Nela, há algo que estava no discurso original do PT, mas não foi implementado nos 13 anos de governo, que é a questão do imposto mais justo sobre consumo, imposto sobre grandes fortunas, taxação de bens de luxo…

Mandei duas propostas de política tributária, uma em 2005, que foi aprovada só um pedacinho. E outra, em 2007. Nessa, aconteceu uma coisa fantástica: construí uma proposta de política tributária no qual participaram as 27 federações de empresários do Brasil, todas as centrais sindicais, todas as lideranças de deputados, os 27 governadores.

Quando a levei [a reforma tributária] para o Congresso Nacional, imaginei que ia ser aprovada por unanimidade. Por que ela não andou? Porque dentro do Congresso Nacional, você não consegue aprovar uma política tributária inteira. O Congresso é muito heterogêneo, tem muitos interesses e os interesses são fatiados em partilhas.

Lembro que o [senador José] Serra, que tinha sido favorável na reunião que fiz na Granja do Torto, foi contra quando o relator foi procura-lo porque ele não gostava do relator, que era o Sandro Mabel. Para você aprovar uma proposta de reforma tem que lembrar que o Congresso Nacional tem uma maioria de gente que representa a classe média alta e a elite rural e empresarial e que não querem colocar impostos em herança. Não querem colocar imposto sobre grandes fortunas. Não querem colocar sequer uma tabela de Imposto de Renda em que o pobre pague menos e o rico pague mais. Sãos eles que estão votando, não é o pobre.

Mandamos [a oposição] outra agora [na discussão atual a Reforma Tributária]. O que está acontecendo nesse instante? Todas as outras propostas vão ser colocadas em votação e a nossa não, porque quem vai votar é quem acha que o imposto sobre o consumo da forma que está, onde o pobre que compra um quilo de feijão paga o mesmo imposto do rico, não deve ser mudado. Quer continuar com as mesmas alíquotas, os mesmos benefícios. Temos que aprender que vamos ter que ter uma maioria de gente no Congresso comprometida a fazer Reforma Tributária. Nós vamos ter que ter no Congresso Nacional um grupo de gente comprometida em fazer reforma agrária, porque nós temos lá três ou quatro deputados ligado ao movimento sem-terra e uma bancada ruralista com 280.

E este é o papel de um partido político, conversar com a sociedade. Por isso que nós produzimos desse material aqui para chegar também na mão do povo, da mulher mais simples da periferia, aquela que vai no culto. Seja católica ou evangélica, ela vai tratar do espírito, mas vai saber que tem coisa que pode ser feita para melhorar de vida. Mas a gente só vai aprovar quando tiver a maioria.

Mas no auge de sua popularidade, em 2010, não era possível fazer isso?

A popularidade não vota no Congresso Nacional. Nós mandamos as propostas, que estão nos anais do Congresso. Eu era um presidente eleito por várias forças políticas, não podia fazer uma campanha pedindo voto só para o PT. O correto é que o partido comece a aprender a fazer campanha defendendo a sua legenda. O Bolsonaro fez isso na campanha dele, muita gente votou no 17. E, na medida que você fica evitando de trabalhar a tua legenda, tem menos chance. O PT tem que saber que a legenda do PT é a que tem maior interesse da opinião pública, é o partido mais forte. Quando fica trabalhando nominalmente o candidato, pode eleger bem um candidato, mas enfraquece o voto da legenda.

Criei uma lei do primeiro emprego, que foi aprovada. A gente dava dinheiro para o empresário que contratasse um jovem. Sabe quanto foi contratado? Nenhum, porque não é a lei que contrata um trabalhador, é o mercado, é a demanda. É a lei da oferta e procura. Aí quando nós resolvemos começar a fazer distribuição de renda e fazer com que um pouco de dinheiro chegasse no bolso do povo, através do Bolsa Família, do aumento consecutivo do salário mínimo, de política de compra de alimentos da agricultura, do crédito consignado… O que é que nós percebemos? Que foram criados no Brasil 22 milhões de empregos com carteira assinada, contra 100 milhões de desempregados no mundo. Qual é a novidade que nós precisamos agora? Gerar empregos.

Eu estou vendo o Guedes anunciar que vai falar em Davos que vai abrir as compras governamentais para as empresas estrangeiras. Você tem noção do que significa isso? Capacidade zero do Estado propor ou ter influência na elaboração de políticas públicas de indução do crescimento econômico. Vai vir para cá empresas multinacionais que não têm dependência com o Brasil. Qual é o país do mundo que abriu compras governamentais? Vê se Alemanha abre, se a França abre, se os americanos? O que eles querem é que os países pobres abram para que possam dominar, de fato e de direito, a nossa economia. Fico constrangido de ver um país que quase chega a ser a sexta a economia do mundo, um país que tinha construído protagonismo internacional com o PT, de ver tratado como se fosse uma colônia.

Qual é o dinheiro novo que está entrando no Brasil? A imprensa diz que entraram US$ 70 bilhões. Entrou para quem, cara pálida, quantos empregos gerou? Ou entrou através da compra das empresas públicas que nós estamos vendendo? Estamos vendendo empresas públicas nossas para empresas públicas espanhola, chinesa. Dinheiro novo que entrou para quê? Para pagar a dívida? Não tem sentido.

O Brasil só tem um jeito, precisa voltar a investir no crescimento econômico. Criar algo novo, uma fábrica de cimento, de cadeira, de sapatos, que gera emprego, produto, renda. O Brasil precisa voltar a investir mais em ciência e tecnologia, que estão destruindo. O Brasil precisa voltar a acreditar que a nossa juventude tem que ter direito a ir para a universidade, que eles estão desmontando.

Veja o Enem, essa semana. É só ler o artigo do [jornalista] Elio Gaspari que a gente vai ver o que aconteceu com o Enem. Fazer o novo é fazer esse povo tomar café de manhã, jantar, ter direito à escola, ter direito à cultura, não é ficar atacando a Fernanda Montenegro. É colocar dinheiro para ajudar a produzir cultura no território nacional. Acha que vai resolver colocando a Regina Duarte na Cultura? Qual é a política do governo? Vai ter dinheiro? Vamos financiar filme? Se não financiar, não têm como andar. Porque, no Brasil, lamentavelmente, muitos empresários não acreditam que o investimento em cultura tem retorno.

Tivemos na semana passada o episódio do vídeo do, agora, demitido secretário da Cultura, Roberto Alvim. Porém segundo noticiado, o mercado não se assustou. O senhor fez um pacto com empresários para se eleger e para governar, como analisa essa situação?

Não fiz pacto para me eleger. Sabe que eu nunca tive coragem de perguntar, em nenhum debate, se algum empresário tinha votado em mim? Porque eu desconfiava que não tinha…

Seu vice [José Alencar, fundador da Coteminas], pelo menos, votou.

Esse não era um empresário, era um cidadão brasileiro, com “C” maiúsculo, um homem de qualidade acima da média. Esse eu não tratava como empresário, tratava como cidadão brasileiro acima da média, no caráter, no comportamento ético dele, na relação com as pessoas. Vai demorar a surgir um Zé Alencar nesse país outra vez. Caráter e dignidade, a gente não compra, não pega em Harvard, não pega na Sorbonne, não pega na USP. Aquilo é criação, um homem que saiu de casa com 14 anos de idade, que dormiu em corredor de pensão para virar o empresário que virou, o vice decente que virou. Por isso, nunca me importei se empresário votou em mim, acho que não votaram, é questão de pele.

O senhor sempre falou que os bancos nunca lucraram tanto como no seu mandato.

Falo ainda hoje. Tenho consciência que fui eleito para governar para todas as pessoas. Para o banqueiro e o bancário, o fazendeiro e o trabalhador rural. O que a pessoa tem que saber é que eu vou governar como um coração de mãe. Aquele que tiver mais necessidade é que vai comer o segundo bife, que vai tomar o segundo copo de leite.

Por isso que nós adotamos a política de aumentar o salário mínimo de acordo com o crescimento do PIB e de acordo com a inflação. É por isso que, na crise de 2008, este país governado pelo PT foi o único em que os 20% mais pobres tiveram um crescimento maior do que os 20% mais ricos. Por isso que este país, durante a crise, bancarizou 70 milhões de pessoas.

Hoje, vejo a propaganda: a bolsa está 120 mil pontos, a bolsa está 130 mil pontos, numa euforia, quantos emprego gerou? Ah, mas o governo, no tempo do Lula, cresceu por causa do boom das commodities. Então, me expliquem: se, entre 1950 e 1980, a economia brasileira cresceu em média 7% ao ano, se no começo da década de 1970, a economia cresceu 14% ao ano, por que não foi distribuída renda? No meu governo, não foi um milagre de commodities, foi um milagre de uma coisa chamada inclusão social.

Coloque dinheiro no bolso do povo pobre, que ele vai virar um consumidor que vai fomentar a demanda, empresário vai investir, o povo vai comprar mais e vai fazer com que a roda gigante da economia fica girando em todo o mundo participando. Esse foi o milagre, de colocar pobre na universidade, de colocar gente para viajar. Nós saímos de 43 milhões de pessoas que viajavam em aviões para 113 milhões andando de avião. Aí, alguns poucos ignorantes gritavam “porque aeroportos estão virando rodoviária”, “tem muito pobre no aeroporto”, “gente que não sabe nem sentar, nem usar o banheiro do avião”. O milagre no Brasil foi o pobre ser solução. Coloca o pobre no orçamento da economia, dê o direito dele comprar o leite, o pão, o almoço e a janta, dê o direito dele trabalhar, dê o direito de financiar um puxadinho…

O governo, agora, esteve em Davos para vender o patrimônio público. Eu fui o único presidente que saí do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, para fazer em Davos o mesmo discurso que eu fiz em Porto Alegre: eu vou acabar com a fome no meu país. Porque rico não fala em fome, fala em mercado, investimento nisso e naquilo, não fala em geração de emprego. Essa foi a novidade que nós criamos no Brasil, o pobre, passou a comer, filha de negro, de pedreiro, de coveiro passou a ser engenheira, a ser médica, diplomata, advogada.

Somos uma sociedade com a cabeça formada ainda com resquícios de 300 anos de escravidão e vamos precisar lutar muito para as pessoas compreenderem que queremos ser uma sociedade totalmente livre do ponto de vista do preconceito e da oportunidade.

Durante muitos anos, o senhor criticou o jornalismo praticado no Brasil, principalmente, o da Globo. Hoje, a gente vê um ataque muito sério e forte do presidente Bolsonaro contra o jornalismo e contra os jornalistas. De que forma o senhor vê o ataque do Bolsonaro contra a imprensa e de que forma via como a imprensa tratava o seu governo e qual a diferença nesses dois casos?

Eu sempre disse que sou o que sou por causa da imprensa. Mesmo quando ela falava mal de mim. Duvido que tenha um dono de jornal ou um jornalista que diga que o Lula chamou para pedir para não publicar tal coisa. Nunca! Nunca fui tomar café com dono de jornal para pedir favor e não peço. O que defendo é que o grande censor da imprensa nesse país seja o telespectador, o leitor, o ouvinte. E agora o internauta.

Neste país, muitos dos jornais, das revistas e alguns canais de televisão são tratados com a cabeça de propriedade privada e não com a cabeça de uma instituição que tem como objetivo informar. Informe corretamente e deixe o povo fazer julgamento! Eu tinha queixa, sim. Nós saímos de oito anos de pensamento único favorável ao governo Fernando Henrique Cardoso e passamos por um momento de oito anos de pensamento único contra o Lula. Eu imaginava que com a Dilma, ia melhorar, porque a Dilma é intelectual, tinha diploma universitário, não era peão como eu, mas não melhorou.

O que a Globo está fazendo com o Intercept, era capaz que o nazismo não fizesse. Ela só teve coragem de citar o Intercept duas vezes: quando o Intercept publicou o nome do Faustão, que acho que tinha dado aula pro Moro, e quando foi citar o nome do Roberto D’Ávila, que tinha trabalhado para arrecadar dinheiro para o meu filme. A Globo não fez sequer matéria contra a fajutice da denúncia do Ministério Público [contra o jornalista Glenn Greenwald, diretor do site]. Então, isso é censura. Você sabe quantos direitos de resposta meus advogados pedem, depois de falarem 30 minutos de mim, sem provar nada, apenas lendo coisas que os promotores escreveram? Nada, não dão direito de resposta. Às vezes, falam “o advogado do Lula disse tal coisa”, mas cadê o direito de resposta? Cadê o direito à igualdade de oportunidade de se expressar?

A postura do Bolsonaro então é justificável?

Acho que tem crítica que ele faz que é correta. Dê a ele o mesmo direito que dá aos outros, direito de falar, abra para ele falar. Na greve dos jornalistas de 1979, os donos de jornais descobriram que não precisavam tanto de jornalistas, que poderiam fazer jornalismo sem precisar do jornalista. Agora, o Bolsonaro está provando que é possível fazer notícia sem precisar dos jornais, da televisão. Ele faz por ele mesmo. Aliás, o Trump já fez escola.

Eu ainda respeito, marco toda semana uma entrevista. Não acho que é correto um presidente da República se comunicar pelo seu Twitter, um presidente da República tem a obrigação de prestar contas à democracia, atendendo a imprensa. Não aquele cafezinho formal, em que tem um general como porta-voz, que é tudo quase militarizado. Mais do que no tempo dos militares. Marca uma entrevista livre com a imprensa e deixa a imprensa perguntar!

O que eu acho é que a imprensa tem que dar informação correta. Se o Lula errou, dê a informação correta. Se Lula caiu, diga que ele caiu. Mas se ele não caiu, não inventa uma mentira. Quando a imprensa mente, ela não está desrespeitando o atingido, ela está desrespeitando o eleitor, o telespectador, o ouvinte, que merece respeito. “Ah, eu sou legal porque o Lula fala mal de mim e o Bolsonaro fala mal de mim.” Vai no estádio para ver quantas pessoas gritam, ao mesmo tempo inteiro, “abaixo a Rede Globo, que o povo não é bobo”. Eles não agem como jornalismo, agem com interesse político.

Fernando Haddad seria um nome natural para concorrer à Prefeitura de São Paulo, mas está atuando no plano nacional. O senhor mesmo citou, na última entrevista que nos deu, o nome da ex-prefeita Marta Suplicy, que poderia voltar ao PT. Mas, apesar da popularidade alta na periferia, ela tem resistência na base do PT. Como vê a sucessão em São Paulo? O PT tem quadros, mas há espaço para uma composição com o PSOL, com o Guilherme Boulos, da mesma forma que o PT estuda fazer isso no Rio, com Marcelo Freixo?

Fui candidato em 1982, o PT tinha só dois anos de vida, e tive 10% dos votos em São Paulo. Pensei que ia ganhar, porque a gente era uma novidade muito grande, juntava muita gente. Naquele tempo, dava mais autógrafo do que voto. Porque as pessoas iam ver a novidade, o PT, Lula, mas não votaram em mim, fiquei em quarto lugar. O PT tem muita força em São Paulo, isso não significa que o PT seja obrigado a ganhar todas as eleições. Já ganhamos três eleições, já perdemos reeleição, tanto com o Haddad quanto com a Marta Suplicy. Porque cada eleição é diferente uma da outra.

O PT está disposto. como sempre esteve, a fazer aliança política. Com o segundo turno, todo o partido político tem direito de ter o seu candidato, de ter o seu tempinho na televisão, de defender o seu programa. Se não for para o segundo turno, esse partido, então, faz aliança para apoiar alguém que foi. É o jeito mais decente de fazer política. Eu conversei com o Boulos antes dele ser candidato a presidente. Fui mostrar o quanto era difícil, pelo que eu tinha passado, mas não podia pedir para ele não ser candidato porque era importante que ele colocasse a cara e fosse disputar as eleições. Se ele quiser disputar em São Paulo, é importante que dispute.

Agora, o PT não tem os grandes nomes que já teve na ativa. O PT tem o Suplicy que quer ser candidato. E se fizer pesquisa e colocar o nome do Suplicy, ele vai surpreender muita gente, porque é muito querido do povo de São Paulo. O PT tem o Haddad, que não quer ser porque já foi. O Haddad é um quadro muito importante, tem uma tarefa nacional e internacional importante para o PT. Acho que está correto em não querer ser candidato. O partido tem que lançar outras pessoas, têm muita gente. Tem o Zarattini, tem o Jilmar Tatto, o Padilha, o Suplicy, o Nabil, tem bastante gente. Cada um desses que se lançar candidato e motivar o partido. Existe uma periferia vermelha aqui em São Paulo que o PT pode, tranquilamente, recuperá-la e ter 30% dos votos, como teve com a Erundina, com a Marta e o Haddad. Vai ser difícil, outros partidos estão crescendo, mas o PT tem esse direito.

E se o PT não foi ao segundo turno, vai apoiar outras pessoas. O PT não vai adotar o voto nulo ou branco. Em 1994, o Zé Dirceu era candidato teve 17% dos votos. O PT ia tomar a atitude de votar em branco, eu disse não, nós vamos apoiar o Mário Covas.

O senhor então não teria problemas de apoiar um outro Covas no segundo turno de São Paulo?

No PSDB, hoje, não tem um novo Covas.

O neto?

O caráter do Mario Covas, dentro do PSDB, era único. Era por isso que o Mário Covas era tratado como esquerda no PSDB, é por isso que Mário Covas, na disputa com Maluf, tinha 24%, 26%. Por isso que não era uma figura tão simpática na cúpula, não era palatável, tipo Fernando Henrique Cardoso.

Mas o PT não se nega a fazer apoio. O que o PT não pode é deixar de ter candidato. Se tem gente que quer ser candidato e tem disposição de ganhar, o PT tem que lançar aqui em São Paulo e em outros lugares do Brasil. E o PT pode pactuar no primeiro turno. Estão lembrados que fui eu quem pactuei com Eduardo Campos e Humberto Costa? Os dois eram candidatos a governadores. Eu era candidato a presidente e os dois subiram no palanque comigo. Eduardo foi ao segundo turno e, automaticamente, nós fomos apoiá-lo.

Nesta eleição, há uma disputa muito parecida com a de 2012 em Recife, o que afastou o PSB do PT e, em 2014, Eduardo Campos compôs com outros. Como o PT vai se posicionar nessa disputa? Ele vai apoiar o PSB ou vai lançar a Marília Arraes? Além disso, acabou de acontecer o caso envolvendo o ex-governador Ricardo Coutinho, que deve ter manchado a imagem dele, na Paraíba, um governador muito popular que esteve sempre do lado do senhor. E também tem Fortaleza, governo do Roberto Cláudio, que sempre esteve junto com o Camilo Santana. Como é que o PT vai se comportar em Fortaleza, João Pessoa e Recife?

Pegando o caso do Ricardo Coutinho, você falou manchou… manchou ou não. Quando resolvi enfrentar a mentira contada sobre mim no caso da Lava Jato, disse várias vezes que poderia ter saído do Brasil. Eu não saí porque queria enfrentar a mentira, provar que o Moro é mentiroso, e está sendo aprovado cada vez que ele abre a boca.

O companheiro Ricardo Coutinho pode sair mais forte se for mentira o que estão fazendo contra ele. Eu não pedi um ponto porque fui preso. Lá de dentro, falei o que eu tinha que falar e continuo falando: o Moro não foi juiz, ele foi um mentiroso no meu caso. A Lava Jato, o Ministério Público e a força tarefa não estavam cumprindo o papel grande que tem o Ministério Público, montou-se uma pequena quadrilha para mentir e mentiram — e tudo isso vou provar.

O PT já apoiou o governador Eduardo Campos duas vezes. O PT apoiou o atual governador duas vezes. O PT já apoiou o prefeito deles duas vezes. Agora, vai ter uma eleição. Nós temos a Marília Arraes, que é uma figura pública importante no Estado, deputada federal. Tem o João Campos, que é o filho de Eduardo Campos, que também quer ser candidato.

O PT não pode abrir mão de ter uma candidatura própria em Recife Quando chegar em 2022, o PSB vai pedir outra ver para o PT não ter candidato a governador depois de quatro de quatro mandatos? Será que o PT não pode ter a oportunidade de ter candidatura própria? O PT vai ter candidatura própria, a Marília deve ser candidata do PT. Se ela não for para o segundo turno, ela apoia o João Campos ou outro candidato que fizer aliança com o PT. Isso vale para Fortaleza, João Pessoa, Natal, Salvador.

O que você não pode é trancar o partido. Em Salvador, acho que o partido que tem seis pessoas querendo ser candidatos, inclusive, o nosso querido Juca [Ferreira], que foi meu ministro da Cultura.

Salvador é uma capital de maioria negra, mas nunca elegeu um prefeito negro ou uma prefeita negra. Acha que esse é o momento?

Acho, mas acho que todo o momento é o momento de eleger um negro, porque eles têm maioria na cidade. Como eu acho que todo momento é momento de eleger uma mulher, porque elas são maioria. Na hora em que uma mulher descobrir que ela pode votar numa mulher, não porque é mulher, mas porque é inteligente, competente, porque tem compromisso político, vamos eleger mulher. O PT, nos quatro principais cargos de sua direção, são quatro mulheres. Essa é uma novidade política do país.

O PT não tem medo de fazer aliança, o PT não tem preocupação de apoiar outro candidato, o que o PT quer é ter o direito de ter os seus candidatos aonde for necessário. Mas se o PT quiser apoiar outros candidatos, vai apoiar, como sempre apoiou.

Trabalhamos em aliança desde 1989. Nós temos a obrigação de apoiar candidatos de alguns partidos aliados aonde eles tiverem candidato em melhores condições que os nossos – esse não é o nosso problema. Não poderemos truncar a nossa militância que quer ter candidato na Bahia, por exemplo. Tem duas pré-candidatas negras, que querem ser candidatas, tem vários outros candidatos, a gente vai proibi-los de disputar? Eu estou favorável a deixar disputar, faz as prévias internas, discute, a gente escolhe o melhor e vai para a campanha. O PT sempre foi e sempre será favorável à aliança política.

Governo Bolsonaro

A gente falou um pouco de democracia, de jornalismo, de liberdade de expressão, dos limites disso. O presidente Bolsonaro, muitas vezes, tem posições duras e questionadas, mas mesmo assim segue com uma popularidade muito grande. A que o senhor acha que se deve isso?

Todo o presidente, governador e prefeito, no primeiro ano, tem que queimar todas as gorduras políticas para fazer o que ele quiser fazer. Porque as grandes cobranças começam a acontecer a partir do segundo ano. Se ele piorar no segundo ano, a cobrança será maior. Mas ele pode se recuperar no terceiro, no quarto. Por isso que eu acho que a gente não tem que ficar perguntando se Bolsonaro cresceu, se ele caiu, ele tem que governar quatro anos, ele foi eleito para cumprir um mandato de quatro anos. E ele que governe com a maior competência possível porque, se for bem, tem o direito a ser candidato à reeleição. E quem está no mandato e tiver o mínimo de competência, tem dificuldade de perder a eleição.

O Bolsonaro tem gordura para queimar?

Ele ganhou as eleições. Quando você ganha as eleições, automaticamente, gera uma expectativa.

Mesmo quem votou contra o Bolsonaro tem que saber o seguinte: ele é presidente. Eu vou ficar sentado na cadeira, dizendo que ele não presta e torcendo para que dê tudo errado? Não.

Nós temos que torcer para que estas pessoas governem pensando na maioria do povo brasileiro. Ele tem a obrigação de governar pensando no bem, no ser humano, no mais pobre, no país, na nossa soberania, nos nossos estudantes, no nosso povo trabalhador… E parar de falar bobagem! Parar de ficar dando recado para o seu clube. Quando você ganha as eleições, você tem clube, tem partido. Quando você senta naquela cadeira, tem 210 milhões de almas que vivem aqui, tem rico e tem pobre. O que você precisa saber é que todos são brasileiros e você tem que tratar todos com respeito e governar para todos.

Tem muita gente que fala o seguinte: fiquei decepcionado porque o Lula saiu da cadeia e não aconteceu nada. A grande coisa que aconteceu foi eu ficar livre, o que mais poderia acontecer? As pessoas acham que eu iria fazer comício. Eu saí numa época que não é de fazer comício, é época de Natal, época do Papai Noel. E numa época em que o PT estava em seu congresso interno. Esse país só começa a funcionar a partir do Carnaval, tem uma turma que entra de férias em dezembro e só volta depois do Carnaval. Agora, estou pensando em ir para Paris, receber meu prêmio. Imagina, título de cidadão parisiense, não é pouca coisa… Eu que já sou de Garanhuns, que já sou de tantos lugares, vou ser de Paris também.

E como está a sua saúde? Nesta semana, foi noticiado que estaria usando aparelho auditivo.

Tenho 74 anos de idade, quando eu fico sentado na frente da televisão, quem está do meu lado que é mais novo vai ter um conflito comigo [a namorada do presidente, a socióloga Rosangela Silva, estava presente na sala]. Porque o volume que eu escuto, que eu entendo bem, é sempre maior do que aquele que a pessoa usa. Eu poderia continua dizendo que não estou escutando — “o quê?!”—, mas decidi ir ao médico, fazer todos os exames e estou com um aparelho que ninguém vê – e que vocês não vão ver.

E estou ouvindo melhor, não estou precisando gritar. Assisto televisão, agora, com a Janjinha [apelido que o presidente chama a namorada] sem fazer disputa de volume com ela, não fico disputando o controle remoto. Tá legal. Ouço as pessoas falando mal de mim, já estou ouvindo até pensamento.

O senhor deve fazer as caravanas então?

Este é um ano eleitoral. Pretendo ajudar o PT e os aliados na campanha, pretendo viajar o Brasil. Eu quero fazer algumas viagens para discutir o tema cultural. Primeiro, agradecer aos milhares de artistas que foram para a rua fazer show em solidariedade ao Lula. Depois, quero fazer algumas reuniões com o mundo científico brasileiro, convidar muitos cientistas para conversar um pouco sobre ciência e tecnologia no Brasil, porque essa é uma questão de soberania. Se você não é detentor de conhecimento científico e tecnológico, vai ficando para trás e vai até vai começar a importar coisas vagabundas.

O povo brasileiro tem que acreditar que quanto mais a gente investir em educação, quanto mais a gente investir em ciência e tecnologia, mais chance o Brasil tem de melhorar a vida desse povo. Não existe na história da humanidade nem um povo que conseguiu se desenvolver sem educação.

É por isso que algumas pessoas não gostam de mim, porque exatamente eu, que não tenho diploma universitário, o Zé Alencar, que não tinha diploma universitário, vamos passar para a história como os governantes que mais fizeram universidade nesse país. Você não discute educação como gasto. Educação é 100% investimento. Você precisa contratar professor, investir em laboratório, mandar gente estudar lá fora… Meu Deus do céu, isso é o elementar. É isso que a gente tem que aprender com os Estados Unidos, com a China, com a Europa. Investir no povo, que a gente colhe o resultado no curto prazo.