Foto: Filipe Araujo

Nos últimos meses, o ex-presidente Lula conquistou no Supremo Tribunal Federal uma série de vitórias que, além de garantirem a retomada de seus direitos políticos, lançaram luz sobre as ilegalidades cometidas pela Lava Jato.

Ao anular as condenações, declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba e reconhecer a quebra da imparcialidade pelo ex-juiz Sergio Moro, o STF acolheu o que a defesa do petista demandava há pelo menos cinco anos.

A virada nos tribunais, contudo, não desfaz as consequências da ascensão do ‘lavajatismo’. “Não é aceitável que o sistema de Justiça possa selecionar, a critério de alguns de seus membros, quem pode e quem não pode participar do cenário político do País”, diz Cristiano Zanin, advogado do petista.

Em entrevista concedida por vídeo a CartaCapital, Zanin avalia cada uma dessas decisões tomadas pelo STF, lamenta os duradouros impactos das ações ilegítimas da Lava Jato e demonstra confiança na participação de Lula nas eleições de 2022.

Assista à íntegra da entrevista e confira os destaques a seguir:

Incompetência da Justiça Federal de Curitiba

“Tínhamos essa expectativa. Em 2015, o plenário do STF já havia estabelecido que a competência de Curitiba se referia exclusivamente a casos da Petrobras. E nos casos do presidente Lula não havia nenhuma demonstração de vínculo efetivo com a Petrobras.”

A suspeição, declarada pela 2ª Turma e confirmada pelo plenário

“O nosso entendimento é de que a 2ª Turma havia concluído o julgamento em 23 de março e decretou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, tal como havíamos pedido. Ao nosso ver, o julgamento deveria ter se encerrado naquela oportunidade, uma vez que o juiz natural já havia analisado a suspeição e reconhecido a suspeição. Chegamos, inclusive, a apresentar um pedido à 2ª Turma para que a análise ficasse circunstrita a ela.

No entanto, houve aquele entendimento no STF de que seria possível julgar um recurso da Procuradoria-Geral da República no plenário. Isso acabou acontecendo mas, felizmente, foi confirmado que a 2ª Turma poderia ter julgado a suspeição, mesmo após o ministro Edson Fachin ter reconhecido também a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba.

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É um resultado plenamente compatível com as provas que levamos sobre a suspeição do ex-juiz, provas fartas, indiscutíveis, que envolvem desde a interceptação do principal ramal do nosso escritório por 23 dias, para acompanhar a estratégia da defesa, a outras circunstâncias muito claras de suspeição, como a própria ida ao governo Bolsonaro de Sergio Moro. São fatos que, como reconheceu a maioria da 2ª Turma, não deixam dúvida sobre a quebra da imparcialidade por Moro.”

“O raciocínio é simples: se foi reconhecida a suspeição de Sergio Moro para analisar o caso triplex, evidentemente os demais casos em que o ex-juiz atuou envolvendo Lula também estão contaminados por essa suspeição.

Seria impossível reconhecer que Sergio Moro foi parcial em um caso e não foi parcial em outro caso envolvendo o ex-presidente Lula e que tramitou praticamente ao mesmo tempo. Até porque, é importante lembrar, esses casos têm origem comum, em uma única investigação, que foi conduzida também pelo ex-juiz Sergio Moro, e os atos relativos a esta investigação também já haviam sido anulados no julgamento da 2ª Turma.

Ao nosso ver, a decisão do ministro Gilmar Mendes é acertada, absolutamente compatível com os argumentos que apresentamos e retrata uma situação idêntica do ponto de vista factual e jurídico a justificar essa extensão da ordem para reconhecer a suspeição do ex-juiz Sergio Moro também em relação aos demais casos em que atuou envolvendo o ex-presidente Lula.”

2018 e os 580 dias de Lula na prisão

“Quando começamos a defesa do ex-presidente Lula, em 2015, já fizemos, com base na experiência que tínhamos de mais de 20 anos de advocacia, um diagnóstico de que o caso do presidente Lula envolvia um fenômeno chamado lawfare.

Naquele momento, sabíamos que não estávamos diante de um processo normal, mas do uso estratégico das leis objetivando fins ilegítimos. E o ex-presidente Lula tinha pleno conhecimento dessa situação e sabia estar sendo vítima de uma perseguição que usava as leis e o sistema de justiça para essa finalidade.

Ele encarou isso de uma forma muito consciente, sempre nos deu liberdade plena para apresentar todas as impugnações necessárias, aqui e no exterior, como fizemos perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Ele sofreu diversos percalços, ficou preso 580 dias, respondeu a uma quantidade enorme de processos sem nenhuma materialidade, foi privado de disputar as eleições presidenciais de 2018. Felizmente, o nosso trabalho, a partir de um diagnóstico correto lá no início, conseguiu reverter essa situação através das decisões recentes proferidas pelo Supremo.

Mas sempre deixamos claro: sabemos que essas decisões reconhecem aquele cenário de ilegalidade crônico que ocorreu na Lava Jato, mas não vão restituir ao ex-presidente Lula esse período que ele ficou preso, essa privação de ter disputado a eleição. São danos irreparáveis causados ao ex-presidente e a familiares através de uma ação que envolveu ilegalidade crônica na Lava Jato. É um cenário que terá de ser analisado pela lupa da História e eu espero que nunca mais se repita. Que o sistema de Justiça não mais seja utilizado para fins ilegítimos, sejam de natureza política, geopolítica, comercial ou militar.”

A Lava Jato e os riscos à democracia

“Ao longo do tempo, sempre dissemos que a Lava Jato estava colocando em risco o Estado de Direito e efetivamente isso se confirmou. Pudemos verificar através da análise daquele arquivo oficial da Operação Spoofing que nós conseguimos acessar com autorização do STF. Aquele arquivo mostra, de uma forma cristalina, que a Lava Jato envolvia, sim, um projeto de poder.

De um lado, haviam estabelecido e detalhado um chamado ‘Plano Lula’, que envolvia todos os ataques feitos ao ex-presidente, envolvia promover ações e investigações de grande número, a fim de que o ex-presidente não pudesse se defender, a fim de atacar a sua reputação, a fim de retirá-lo do cenário político. De outro lado, outros diálogos mostram o envolvimento direto de membros da Lava Jato com a política, com um projeto de poder. Tudo isso deve ser revisto, olhado com bastante critério, porque uma parte do sistema de Justiça foi utilizada em busca de um projeto de poder, e isso é inaceitável.”

As mensagens da ‘Vaza Jato’: o STF tem de pacificar esse tema?

“Com relação à suspeição, apresentamos o habeas corpus tratando do assunto em 2018. Naquele momento, não havia chegado ao conhecimento de ninguém a existência dessas mensagens. Nós apresentamos a suspeição sem levar em consideração nenhuma das mensagens da chamada ‘Vaza Jato’.

Nosso trabalho envolveu a apresentação de uma série de fatos ocorridos ao longo do tempo que indicavam de forma clara e objetiva a suspeição e a quebra da imparcialidade pelo ex-juiz Sergio Moro. As mensagens da ‘Vaza Jato’ e depois as mensagens que nós acessamos com autorização do Supremo vieram a reforçar o cenário crônico de ilegalidades praticadas pela Lava Jato.

São elementos que reforçam tudo aquilo que era exposto em termos de críticas à Lava Jato e à forma ilegal como ela atuou ao longo do tempo. Esse arquivo que nós acessamos pode e deve ser utilizado para fins de defesa, afinal de contas é um arquivo oficial, apreendido pela Polícia Federal ainda sob a gestão do ex-juiz Sergio Moro como ministro. É um material oficial, acessado com autorização do STF e que, portanto, pode e deve ser levado em consideração sobretudo para fins de defesa.

Para além disso, ao termos contato com aquele material ficamos estarrecidos, porque vimos procuradores e o próprio ex-juiz Sergio Moro em diálogos absolutamente incompatíveis com a função de membros do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Esses diálogos mostram não apenas um conluio entre o órgão acusador e o órgão julgador, mas um projeto de poder, a perseguição de alvos pré-definidos e a cooperação internacional ilegal, que demonstramos”.

O risco de Lula ficar de fora das eleições de 2022

“Não acredito. Por uma razão muito simples: conseguimos, ao longo do tempo, mostrar que alguns membros do sistema de Justiça estavam se utilizando indevidamente do poder dos seus cargos para fins políticos. Isso ficou escancarado nas nossas petições, nos nossos recursos.

Comprovamos que estava sendo praticado o lawfare contra o presidente Lula. Depois dessa experiência traumática para o nosso País, acho que é muito difícil que novas iniciativas envolvendo o lawfare sejam utilizadas para retirar o ex-presidente Lula da vida política.

Não duvido de novos ataques de lawfare, mas acho também que já temos uma experiência no sentido de não acreditar nas mentiras contadas por alguns agentes públicos que buscam interferir no cenário político do nosso País. Não é aceitável que o sistema de Justiça possa selecionar, a critério de alguns de seus membros, quem pode e quem não pode participar do cenário político do País.

Espero que tenhamos um amadurecimento democrático para que possamos restaurar tudo aquilo que foi perdido nos últimos anos, inclusive em termos de crediblidade do próprio sistema de Justiça”.

Da CartaCapital.